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Crônica de Divinópolis: O senhor que sentava todos os dias na esquina.


Sentado em uma esquina da cidade, estava um senhor de cabeça baixa e olhos fechados. Vestia roupa social, do tipo ainda que usava quando jovem, tendo acrescentado a ela um jovial boné azul - para proteger a calva do sol que ardia.

O senhor esperava alguém – um qualquer que pudesse ouvi-lo. E, quando me aproximei, foi logo dizendo:

- Moço, sabia que antes tudo isso aqui era mato?

-Não sabia não, respondi. Olhei pro nada, não sei por que motivo.

- Eu já rocei por tudo aqui, disse o senhor, mas isso faz tempo. “Foi trinta anos fazendo a mesma.” Daqui te lá na frente, onde “nem dá pra olha”.

Olhei pro senhor, pensando não sei em que. Tirei o fone do ouvido que tocava um rock qualquer. Pensei que talvez ouvi-lo por um minuto não me custaria quase nada.

Então ele me falou de seu trabalho. Lamentou estar aposentado (enquanto isso olhava pra longe todo o tempo – e esse movimento quase lhe fechava os olhos enrugados).

Penso eu que imagens se formavam novamente em sua lembrança. Que ele se via jovem e forte, cercado pelos companheiros de trabalho, vestindo as roupas próprias pra o lido com a terra. Penso que ele sentia o doce da memória - e o olhar marejou os trinta anos de história que nos envolviam naquela esquina.

Os carros passando e as crianças jogando futebol no campinho em um bairro da cidade, foram ficando nublados e entorpecidos pela vida do senhor. Acho que penetrei na lembrança dele, e quase que podia vê-lo, jovem e desperto, com o rosto suado e o corpo encurvado construindo também a Divinópolis em que cresci.

Desconfio, hoje, que deva ser do suor de centenas de trabalhadores que, como o velho, passaram dias e madrugadas também por entre as matas - se ferindo na foice, almoçando as dez da manhã, com a fome forçada pelo esforço pesado, vestindo roupas compridas para se proteger de animais e do sol.

56 anos completará a minha cidade - e tantos senhores, se sentarão para contar suas histórias de trabalho e de amor, vivenciadas não só nas matas, mas também da vida na pequena cidadezinha.

Voltando à conversa da esquina, posso dizer que o senhor compartilhou comigo sua vida e seu desapontamento de velho dispensado do trabalho - e que vê nas ruas muito mais do que asfalto. Vê ali os largos pastos aos quais dedicou boa parte do que era e do que é.

O senhor me disse um “vá com Deus,” e se levantou. Saiu andando pela avenida cheia de paralelepípedos, tradicional do município.

No dia seguinte, me dirigi a mesma esquina como de costume. No caminho, imagina que ele novamente estaria lá.  Me enganei. Penso que, naquele dia, já tinha ele cumprido o seu papel e sua vontade na terra.

Comentários

  1. Belo texto Antônio Carlos.
    Gente que respeita e dá atenção aos idosos, sabe muito bem que este gesto é mais que dever, mais que uma obrigação, é um ato de retribuição. Porque tudo o que temos hoje, tudo o que desfrutamos hoje, foi criado ou é resultado do esforço de alguém que neste momento está sentando em alguma esquina ou "cadeira balançante" tendo essas mesmas lembranças de como era antes.
    Essas pessoas merecem toda a homenagem possível, e não há maneira melhor de homenagear do que dando amor e atenção.
    A cada dia nos entristecemos com almas belas que nos deixam pra viver ao lado do Pai, com o Pai repito, fato ultimo que enche nossos corações de alegria em saber que estão lá, e que sua missão aqui na terra foi cumprida e nos seus últimos dias de vida teve a presença de familiares atenciosos e amorosos.
    Um dia seremos nós, sentados em alguma esquina e observando quem sabe feitos grandes, resultados frutuosos de nossos esforços... depende de cada um tentar fazer algo pra ser lembrado é claro. Mas oque mais vai importar mesmo independente de feitos passados, é a presença e amor de nossos filhos, netos ou amigos jovens.
    Que todos um dia possam ser um idoso feliz assim como este descrito nesta crônica!!!

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  2. MEU AMIGO SEMPRE LEIO SEUS TEXTOS
    CARA ESSE SE NAO FOI O MELHOR FOI UM DOS MELHORES QUE LI PARABENS
    CONTINUE ASSIM E MANDA MAIS PRA NOIS
    LEMBREI DO VELHO PAI CEZA
    ABRAÇOOOOOOO

    ResponderExcluir

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