Um cheiro de
mato queimado se espalha pelas ruas de terra da pequena Vila de São Jorge,
reduto ambiental e porta de entrada do Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros, em Goiás. A fuligem da mata - que desde o dia 17 tem sido engolida
pelo fogo - dificulta a respiração. À noite, os moradores têm espalhado toalhas
molhadas pela casa para aliviar a situação.
A cinco
quilômetros da vila, o Vale da Lua, conhecido pelas formações rochosas criadas
pelo Rio São Miguel, foi tomado pelas chamas. "Só sobrou pedra e a água do
rio", conta José Francisco da Silva Pereira, o Zezinho, responsável por
cuidar do local. "Levantamos desesperados pra tentar controlar o fogo, mas
não deu tempo de fazer muita coisa."
Tem sido
assim há mais de uma semana, quando um dos principais patrimônios do Cerrado
passou a ser destruído pelo fogo, no pior incêndio de que se tem notícia na
região. Queimadas já atingiram mais de 62 mil hectares do parque (25,8% da área
total), que em junho foi ampliado de 65 mil para 240 mil hectares e recebe
cerca de 60 mil visitantes por ano.
Por onde se
anda na região, se veem nuvens de fumaça. O pequeno aeroporto de Alto Paraíso,
município conhecido por sua vocação para supostos pousos de óvnis, foi
transformado em centro de gerenciamento das queimadas. Um sobe e desce
constante de aviões e helicópteros desloca água, moradores, parafernálias
contra incêndio e brigadistas.
O alvo das
operações tem sido as regiões mais sensíveis, onde há moradores por perto. Nas
contas dos agentes do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio),
responsável pela gestão do parque, cerca de 80% da área original do parque,
aquela que ele tinha até junho, antes da ampliação, foi dragada pelo fogo. As trilhas
do parque também foram atingidas. O local está fechado, sem data para reabrir.
O aumento da área atendeu a uma demanda de ambientalistas e cientistas.
"Para
nós, isso é uma tragédia não só ambiental, mas também de nosso meio de vida. O
turismo já fugiu daqui. Algumas pessoas cancelaram reservas", diz
Leonilton Francisco Ferreira, gerente da pousada Trilha Violeta, em São Jorge.
"Se Deus quiser, a chuva virá e vai amenizar esse drama."
Fauna
Não há
estimativas precisas sobre a mortandade de animais e aves na área afetada pelas
chamas. Mas nada calou mais fundo a população do entorno que os cantos
desesperados de milhares de araras azuis, ao verem as chamas se aproximarem de
seus filhotes e ninhos.
"As
araras voavam doidas, desesperadas, e faziam um barulho muito alto", diz
Leonilton. "Triste demais. É uma dessas coisas que a gente nunca vai
esquecer na vida." A região abriga ao menos 34 espécies da fauna e 17 da
flora ameaçadas de extinção. Ali, também vivem o pato-mergulhão, a onça-pintada
e o lobo-guará.
Há uma
semana à frente de uma das brigadas que enfrentam o avanço do fogo, Valdeci
Ceravalo afirma que boa parte das chamas já está controlada no parque, mas é
preciso permanecer atento às cinzas. Isso porque muitas chamas têm ressurgido
da terra, após avançarem pelas raízes, chão adentro.
Ao ver as
equipes de combate ao fogo correrem até o helicóptero para acessar um novo foco
de incêndio nas imediações, o agricultor orgânico Zizo Simion não resiste e
bate palmas. Dos seus quase dois metros de altura, chora feito menino, em meio
à poeira que sobe. "Parabéns! Vocês são guerreiros", grita ele, sem
ser ouvido.
As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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