Em todo
lugar por onde eu passava na Chapada dos Veadeiros, Goiás, sempre ouvia a mesma
pergunta: “Primeira vez na Chapada?”. Ao que parece é impossível ir apenas uma
vez. Primeiro porque são mais de 140 cachoeiras catalogadas. Nem mesmo os moradores de Alto Paraíso e São
Jorge, municípios que costumam abrigar os visitantes, conhecem todas elas.
Também foi a primeira vez que viajei sozinha e foi realmente inesquecível.
Só tive a
preocupação de procurar uma acomodação, fazer uma lista de quais lugares
gostaria de ir, dentro das tantas possibilidades oferecidas, e falar com um
guia que mantém uma página na internet.
Eu não dirijo e viajar sozinha para a Chapada sem um carro pode não ser
uma boa ideia. Mas, a sorte de desavisados como eu é que o Centro de Apoio ao
Turista sempre é recomendado e todos os guias acabam passando por ali pela
manhã para oferecer lugares nos carros que estão guiando. Eu ainda contei com a boa vontade do guia com
quem conversei no Facebook e fiz quase todos os passeios que estavam na minha
lista de desejos com o grupo dele.
Conhecer um
lugar como este é realmente mágico. Não pelo misticismo associado à sua posição
geográfica e formação rochosa — a Chapada, além de exibir uma natureza
exuberante e montanhosa, é cortada pelo Paralelo 14 (o mesmo de Machu Picchu),
tudo isso em cima de um cristal de rocha (o que a torna brilhante quando vista
do espaço). Por estes motivos, muitos acreditam que este é um lugar de
comunicação com extraterrestres e, ainda, com outras dimensões espirituais.
É bem
divertido ver ETs por toda a parte na cidade e hippies modernos de todo o mundo
que “sentiram o chamado do lugar” e deixaram suas vidas e empregos estáveis
para trabalhar no comércio local de Alto Paraíso. Mas, o mais interessante é
justamente a convergência de realidades.
Fiquei
hospedada em Alto Paraíso. Lugar tranquilo, familiar e cheio de gente bem
sucedida financeiramente atrás de ecoturismo. Já a cidade vizinha, São Jorge,
concentra a juventude, as boas festas e os aventureiros. Nas cachoeiras todos
esses tipos se encontram e aprendem sobre história do Brasil, geologia,
ambientalismo, ufologia e cultura. A Chapada dos Veadeiros fica bem no coração
do Brasil e, talvez por isso mesmo, exista espaço para tanta diversidade.
Foi lá
também que conheci um homem esquizofrênico pintando delírios e lampejos
mentais. Moacir Soares de Faria já foi até tese do curso de psicologia da PUC,
que explica como a pintura serviu de tratamento terapêutico para o artista,
além de método de autoconhecimento e expressão do inconsciente. Os quadros dele
são tidos como “autorretratos do mundo interno”.
Com conceitos junguianos, freudianos e pautado
pela pesquisa da psicóloga Nise da Silveira, o trabalho prova como, por meio da
arte, Moacir conseguiu um lugar na sociedade, mesmo visto como louco. O artista
também foi tema do documentário “Arte Bruta”, de Walter Carvalho. No fim das
contas, Moacir contribui para a criação da identidade da Chapada e, por que
não, do Brasil, ao mimetizar a própria trajetória com toda complexidade que há
em nós.
Fonte:
opinião é noticia
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