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Operetas de amor à luz da Superlua no Vale da Lua, em Alto Paraíso de Goiás


Na expectativa lunática de que os sons na clave de Sol produzidos a partir da experiência “supernatural” do Cerrado em Alto Paraíso (Goiás) pudesse ecoar lá na Lua, durante sua fase mais próxima da Terra (Super Lua), nasce a ópera rock “LUA&ANA”: uma ode fabulística poética-musical ao astro luminoso de prata tão presente enquanto arquétipo em vários sistemas mitológicos tradicionais (pagãos, cristãos, indígenas e indianos, por exemplo).

Com poema escrito em 2017 em São Paulo e músicas compostas em 2020 em BH, durante a pandemia, LUA&ANA é também uma busca artística por uma brasilidade musical transregionalista, desimplicando hierarquias e estigmas sociais entre regiões das múltiplas brasilidade presentes no Brasil. Entrecortado por um mosaico de elementos musicais variados, colhidos nos frutíferos pés do cancioneiro popular brasileiro, ibérico e anglo-americano, esse polivalente disco de World Music Made In Goiás é um convite para uma trilha (trans)feminista. Nela é possível desvendar e exaltar os mistérios lunares e femininos em todas as fases e faces sagradas e profanas, por incentivar o empoderamento público das minorias de direitos de gênero em ambientes naturais e urbanos (direito à cidade + direito à diferença). 

Com eu-lírico feminino da obra faz uma releitura contemporânea das “canções de amigo” da cultura trovadoresca ibérica, que eram declamadas por homens sobre o platonismo do amor feminino à espera de seu vassalo cavalheiresco. Mas em “LUA&ANA” podemos chamá-las de “canções de amiga”, já que quem espera é Ana, cujo objeto de desejo é a Lua, seja lá quem ela for, apontando para um caráter emancipatório (trans)feminino, demandante por mais visibilização e direitos no espaço político e público (natural, construído ou virtual), marcado pela violência e exclusão física e simbólica por parta da sistêmica cultura falocêntrica e heteronormativa. A relevância desse tema agora é máxima pois sabemos que na pandemia as mulheres e os LGBTQI+ são os cidadãos mais afetados pelo “neoconservadorismo” em relação causal com o retrocesso das políticas públicas culturais e sexuais no país e o aumento dos casos de violência domésticas e urbanas (trans)feminicídas.

Como em um ritual de iniciação da guerreira xamânica dentro de nós, experienciar essa jornada ecoafetiva é uma forma de fortalecer uma percepção holística da diversidade cultural, sexual e biológica na Terra. Uma declaração de amor à Pacha Mama, LUA&ANA é também manifesto político em um momento de crescente aumento de desmatamentos, queimadas e poluições (sólidas, hídricas, visuais, sonoras,…) no país, estando as pautas ambientalistas e indigenistas sendo atacadas pelos  agentes econômicos e políticos antropocêntricos, que querem passar a boiada nas frentes de todos os outros seres vivos e nos obriga a preparar o terreno em outras atmosferas:. Em relação a essa questão ambiental o Le Blue considera que:

“A realidade socioambiental da Chapada dos Veadeiros é marcada por tentativas recentes por parte do setor produtivo energético e mineral de mudanças do plano de manejo para áreas preservação ambiental (APA) junto ao Conselho da Área de Conservação Ambiental (CONAPA). O solitário contato com Alto Paraíso, em especial, me despertou gradualmente para a questão macroambiental, mas percebida e modificada na escala micro. E como é amando nosso espaço imediato que podemos desenvolver compassividade para com os outros e conosco, essa personificação artística do amor através dos entes naturais, no caso a SuperLua & Vale da Lua, surgiu como uma forma de transbordamento da possibilidade de uma harmonia universal que é também singular. Por meio dessa percepção passamos a nos sentir receptáculos das forças vitais e, por isso, responsáveis politicamente pelo futuro do planeta e do amanhã. A ópera rock rural “Lua&Ana” surgiu assim desse chamado amoroso de luta e reverência para com nossa casa comum”. 

A complexidade e a simplicidade da obra se assemelha ao uso da técnica de construção narrativa leitmotiv nas obras musicais do compositor baiano Elomar. A  refundação sertão em bases geopoéticas, musicais e políticas (“Estado do Sertão”) singulares, permite perceber o território em sua dimensão cultural, vivida e imaterial, Le Blue aprimorado por meio do movimento e conceito de “artetetura e humanismo”. Valorizando o cor-local de sua tribo goiana, o compositor e letrista da obra, Fred Le Blue, aponta para recriação do já considerado espaço mítico do Vale da Lua e do Cerrado, mostrando a importância da arte musical e do (eco)turismo cultural virtual como potencial “artetetônico” para educação e consciência socioambiental em tempos de pandemia.Sobre isso Le Blue comenta:

“Com desmontes nas políticas públicas culturais, ambientais e sexuais após 2018, aguditizados com a pandemia global e a crise econômica a partir de 2020, temos sidos acossados em nosso campo de experimentação por uma humanidade inautêntica causadora de distúrbios psicossociais. Enquanto compositor acostumado ao confinamento criativo, percebi que seria o momento ideal para compartilhar esse infinito universo da solidão para meus interlocutores enlutados pelas inúmeras mortes por COVID-19.

A experiência solitária de conhecer o Vale da Lua em uma época de grandes avanços nos direitos ambientais e humanos no Brasil (2005), havia me tornado simbolicamente um astronauta egresso de uma missão. Talvez, por ser um local que permite se ter a percepção distanciada da Terra, como se fosse mesmo uma espécie de Lua terrestre. A poesia musicada iniciada em 2017 em São Paulo, inicialmente, com objetivo de reverenciar somente a SuperLua e o universo (trans)feminista, só tomara o corpo musical e poético geoafetivo em 2020 em minha breve passagem por Belo Horizonte e sua musicalidade eclética esquineira. Na ocasião em que as músicas estavam sendo refeitas 3 astronautas se dirigiam para a Estação Espacial Internacional. Naquela época e até hoje, todos nós estamos confinadas em uma nave espacial caseira, voltando a aderir aos conselhos moralistas de mãe para não falar com estranhos e ficar na rua o dia todo. Então voltar ao Vale da Lua através da música e poesia em um momento em que não se podia viajar me pareceu a melhor vacina mental e turismo cultural para suportar aqueles primeiros meses do pandemônio da pandemia”. 

O filme-making of videoclíptico que segue a trilha das canções com imagens psicodélicas caseira também artista visual Le Blue tenta trabalhar com esse desafio pandêmico de falar de lugares devolutos usando estratégias que não a filmagem descritivista in locu. Sem nenhum postal do lugar, o material aponta justamente para uma possibilidade visual menos paternalista que permite reorganizar os sentidos em prol de uma potência imaginativa sinestésica por parte de cada observador.   O lançamento dessas vídeo-operetas seresteiras de amor à luz estão sendo apresentadas no período entre as 3 Super Luas de 2021 ( 08/04 – Superlua “Rosa”; 26/05 – Superlua “Flores” e 24/06 – Superlua “Morango” ) quando nós estaremos aqui na Terra vivenciando esses fenômenos astronômicos de dilatação da percepção que temos do deslocamento lunar. Do eclipse simbólico desse ponto geopoético (Vale da Lua) e astrofísico (perigeu) de “aproximação” da Terra com a Lua será impossível não se inspirar vendo e ouvindo essa “luana cosmogoiana” cheia de mistérios em seu barroco jogo de luzes e sombras sonoras.

FRED  LE BLUE é Doutor em Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ; mestre em Memória Social PPGMS/UNIRIO; graduado em Comunicação Social  FIC/UFG; Pesquisador associado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC-UFRJ); Idealizador do  Movimento Artetetura e Humanismo   e do LAH-AQUI (Laboratório de Artetetura e Humanismo de Ações para Questões Urbanas Insolúveis); Editor da Editora Brasilha Teimosa e da Coleção “Artetetura e Humanismo: Olhar do artista, mãos de arquiteto” e autor de livros, filmes, músicas e WEB séries de educação política patrimonial e socioambiental.

Fonte: Jornal Opção

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