A mais de
500 quilômetros de Goiânia, em meio à exuberância da Chapada dos Veadeiros,
reside um povo marcado pela luta em torno do reconhecimento de seus direitos
como cidadãos. As comunidades Kalunga distribuídas pelos territórios goianos de
Cavalcanti, Monte Alegre e Teresina somam juntas o maior território brasileiro
a reunir os descendentes da luta negra contra a escravidão. Juntos, são mais de
sete mil pessoas apegadas à terra, suas origens e tradições.
Mesmo com as
dificuldades enfrentadas devido ao isolamento das comunidades, sendo a mais
perto delas distante mais de 20 quilômetros da cidade mais próxima, o anseio
dos quilombolas é o de permanecer na terra que tanto trabalho tiveram para
conquistar, ampliar o acesso a serviços básicos como água tratada, rede de
esgoto e energia elétrica, e poder transmitir aos seus descendentes as
tradições que fazem parte de sua cultura.
Conforme
relata o vice-prefeito de Monte Alegre e coordenador executivo da Coordenação
Nacional de Quilombo no Brasil, Manoel Edeltrudes Moreira, de 54 anos, a
conquista da posse da terra teve início em 1985, quando 200 famílias tiveram
suas propriedades regularizadas pelo governo. “O Governo do Estado contribuiu
muito para a regularização fundiária dos quilombos. A discriminatória da terra
foi custeada pelo Governo do Estado, para que o governo federal desse andamento
na regularização da terra”, explicou. Segundo Manoel, os três municípios juntos
têm hoje 273 mil hectares de terras destinadas aos kalunga. “Uma conquista
importante e fundamental para a nossa permanência na terra”, analisa.
Manoel,
conhecido por Tico do Kalunga, é pertencente à comunidade quilombola de Monte
Alegre, dividida em 13 núcleos. O primeiro e mais próximo deles está a 50
quilômetros da cidade. “Estamos há quase 300 anos nessas terras e mesmo com as
dificuldades impostas pelo acesso, temos orgulho em manter preservadas nossas
tradições, nossas rezas e nosso meio de sustento advindo da terra”, declara.
Recentemente, Tico buscou estabelecer uma parceria com a Universidade Federal
de Goiás (UFG) para contribuir com o desenvolvimento do turismo local.
“Recebemos a visita de um profissional da UFG que percorreu a região. Fizemos
um mapeamento de nove cachoeiras possíveis de serem exploradas pelo turismo.
Além disso, ainda temos grutas dentro da nossa propriedade com grande potencial
para o turismo sustentável”, evidenciou.
Acesso à educação
O isolamento
das comunidades também atrapalha no acesso dos jovens ao estudo. Uma das
maiores reivindicações dos quilombolas é pela presença de escolas dentro das
comunidades. Aos poucos, elas vão sendo instaladas pelo Governo do Estado e por
convênios com as prefeituras, que buscam suprir a lacuna do ensino fundamental.
Na comunidade do Engenho 2, em Cavalcante de Goiás, a pedagoga Eriene dos
Santos Rosa, 30 anos, foi uma das moradoras a dar voz à reivindicação do ensino
dentro da comunidade.
“Em 2007 fundamos
uma associação que nos auxiliou em todas as nossas solicitações diante do poder
público. Isso fortaleceu muito a nossa causa. Hoje temos aqui no Engenho o
ensino fundamental oferecido pela Prefeitura e o ensino médio pelo governo
estadual. Nossos jovens saem apenas para fazer a faculdade. Mas essa realidade
é diferente em comunidades mais afastadas como a do Vão do Moleque e Vão das
Almas”, relata.
Eriene é
filha de morador do Engenho. Na época do seu nascimento, a família morava em
Cavalcante por conta do estudo dos filhos. “Mesmo tendo nascido na cidade,
sempre tive um grande apego com a comunidade. Passávamos nossos finais de
semana, feriados e férias junto aos kalunga”, recorda. Aos 20 anos, Eriene
escolheu a comunidade para estabelecer moradia. “Sentia a necessidade de
transmitir meus conhecimentos a essas crianças. Foi assim que comecei a dar
aulas dentro da comunidade”, relata. Sua luta frente a associação resultou na
implantação da escola quilombola dentro do Engenho 2, que hoje abriga 120 estudantes.
O sustento que vem da terra
O vínculo
dos quilombola com a terra é algo que vai além do anseio de estabelecer raízes.
É dela que eles retiram seu sustento e conseguem preservar as tradições focadas
na forma do cultivo e manejo sustentável. A jovem Cristiane do Nascimento
Borges da Costa, 24 anos, moradora da comunidade Ema, em Teresina de Goiás,
explica que os plantios são todos feitos com sementes crioulas, ou seja,
preservadas de outros plantios e que não levam uso de agrotóxico. “Trabalhamos
a agricultura orgânica, sem uso de sementes transgênicas e respeitando as fases
da lua. Um tipo de cultivo que é passado e preservado ao longo das gerações”,
evidenciou.
Fora a soja
e o trigo, os quilombos produzem todo tipo de cultivo necessário para a
subsistência da comunidade, sendo o excedente comercializado. Para Cristiane, mãe
de dois filhos, é preciso que as políticas públicas cheguem mais facilmente às
comunidades quilombolas, para que as futuras gerações não tenham necessidade de
buscar melhorias fora delas. “Minha intenção é que meus filhos permaneçam na
comunidade e reproduzam nossos ensinamentos”, almeja.
Luta contra o isolamento
O presidente
da Associação Quilombola Kalunga, Vilmar Souza Costa, natural da comunidade Vão
do Moleque, situada a 80 quilômetros de Cavalcanti, relata que uma das maiores
dificuldades enfrentadas pelos kalunga está em vencer o isolamento das
comunidades. Portanto, destaca que é necessário fazer investimento em pontes,
melhoria nas estradas de terra e demais serviços como energia elétrica aos
moradores mais remotos. “Hoje, somos cerca de 600 famílias, sendo que quase 200
ainda vivem sem energia elétrica”, pontua.
Uma das
grandes conquistas recentes foi a implantação pelo Governo de Goiás do
patrulhamento comunitário e da patrulha Maria da Penha. Recentes denúncias
evidenciaram abusos sexuais sofridos por crianças quilombolas. “Precisamos da
presença mais forte do Estado em nossa comunidade. E o patrulhamento mais
presente contribui para a nossa segurança”, reflete.
Olhar mais
aproximado Durante a realização do programa Ação Cidadã na comunidade Engenho
2, em Cavalcante, o governador Marconi Perillo, junto à secretária Cidadã, Leda
Borges, levaram uma série de benefícios aos quilombolas, como a distribuição de
184 Cheques Mais Moradia Reforma, beneficiando prioritariamente famílias que
ainda vivem em casas de adobe. Na ocasião, Marconi declarou que a cada três
meses, uma das comunidades quilombola vai receber o programa Ação Cidadã,
permitindo assim que os serviços básicos do governo sejam oferecidos de forma
mais efetiva aos seus integrantes.
Fonte:
Governo de Goiás
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