Um dos
abrigos do que resta do Cerrado no país, a Chapada dos Veadeiros está recebendo
equipamentos que ajudarão a reduzir atropelamentos de animais e acidentes com
pessoas em 100 quilômetros de rodovias. As medidas se devem a um acordo
judicial baseado em uma ação civil pública movida por uma organização não
governamental ambientalista.
Placas,
lombadas, sonorizadores, passagens subterrâneas e aéreas contribuirão para
conter a matança de animais em vias asfaltadas na Chapada dos Veadeiros, no
nordeste de Goiás. A região abriga um parque nacional e outras áreas,
legalmente protegidas ou não, que mantêm espécies e cenários naturais
procurados por milhares de turistas do Brasil e do Exterior.
A
implantação da infraestrutura pela Agência Goiana de Infraestrutura e
Transportes (GoInfra) acontece por uma decisão da Justiça Federal baseada numa
ação civil da Associação dos Amigos das Florestas. A ONG pediu a execução de
condicionantes previstas há quase duas décadas no licenciamento ambiental das
rodovias GO 118 e 239.
“Tentamos o
cumprimento das condicionantes das obras rodoviárias pela via amigável, mas
como as medidas não eram cumpridas, acionamos o Ministério Público Federal”,
explicou a advogada Flávia Cantal, da Associação dos Amigos das Florestas.
As 22
lombadas para redução de velocidade devem ser instaladas em até 3 meses. As 15
passagens aéreas e subterrâneas para animais, em 1 ano. Áreas degradadas por
obras da GO-239 devem ser recuperadas em 3 anos. As estruturas serão
posicionadas onde os animais circulam com mais frequência. Tudo deve ser
sinalizado com placas, sonorizadores e até portais sobre as rodovias.
A agência
goiana enviou nota à reportagem de O Eco afirmando que trabalha “para cumprir
todos os cronogramas previstos”, que a infraestrutura custará mais de R$ 3,5
milhões de recursos públicos e que medidas semelhantes podem ser adotadas em
outras rodovias estaduais.
“Após a
implementação de passagens de fauna nestas GOs, a agência estenderá essa
política de proteção de fauna e segurança viária para a GO-341, que margeia o
Parque Nacional das Emas. Toda vida importa”, pontuou o presidente da Goinfra,
Pedro Sales.
Motivos não
faltam para a adoção permanente de medidas que reduzam os atropelamentos de
fauna, que pode levar até à extinção de espécies.
Chacina
viária
Pelo menos 7
mil animais silvestres são mortos todo ano nos trechos entre as cidades de São
João da Aliança – Alto Paraíso (68 Km) e de Alto Paraíso – Vila de São Jorge
(37 Km). Os números vêm de 8 anos de estudos apoiados pela Universidade de
Brasília (UnB) e Fundação Grupo Boticário. Os dados estão descritos na ação
civil pública (confira aqui).
“Os números
representam uma pequena parcela dos atropelamentos da fauna silvestre que
ocorrem nas rodovias da Chapada dos Veadeiros. Carcaças maiores permanecem mais
tempo nas rodovias, enquanto anfíbios, répteis, aves e pequenos mamíferos são
rapidamente removidos pelo tráfego, chuvas ou outros animais”, explica o
biólogo Leonardo Fraga, ligado à UnB.
E a matança
continua. Em meados de maio, uma fêmea de lobo-guará foi atropelada em uma
rodovia regional. A espécie é ameaçada de extinção. A denúncia correu em mídia
social do Birding Brasília Veadeiros, um projeto que estimula a observação de
aves no Cerrado.
Parte de um
time dedicado ao monitoramento coletivo de atropelamentos de fauna silvestre,
Leonardo Fraga avalia que a infraestrutura em Veadeiros igualmente chamará a
atenção para a problemática dos atropelamentos e contribuirá para uma maior
segurança no trânsito.
“Os
atropelamentos são um importante mecanismo de perda da biodiversidade genética
da fauna silvestre. Mesmo poucos atropelamentos podem representar perdas
significativas devido à diminuição da abundância de espécies. Eles são um
mecanismo silencioso que pode resultar na extinção local de espécies”, destaca
o pesquisador.
Onças,
veados, araras, tamanduás e outras espécies mortas por veículos igualmente são
parte das belezas que atraem mais de 70 mil turistas anuais somente ao parque
nacional e aquecem economias em Veadeiros. A atividade movimenta R$ 140 milhões
anuais apenas em Alto Paraíso, diz a prefeitura municipal.
E a
expectativa é de que os visitantes cheguem a 120 mil por ano até 2025,
aumentando o tráfego de carros, motos e caminhões, bem como os riscos de
acidentes com animais e pessoas.
Fator
humano
Informações
da Polícia Rodoviária Estadual e do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de
Estradas da Universidade Federal de Lavras (MG) mostram que as medidas em
defesa da fauna também reduzirão os ferimentos e as mortes de pessoas causadas
por trombadas com bichos ou por excesso de velocidade.
Desde 2017,
pelo menos 3 pessoas perderam a vida em acidentes com animais em Veadeiros. E
conforme dados da Polícia Rodoviária Federal, 1.062 pessoas foram vítimas de
acidentes com animais selvagens e domésticos no país, em 2019. Os números foram
compilados pela equipe do U-Safe, um aplicativo de segurança viária.
Na região, a
instalação de placas e de redutores de velocidade – tida por especialistas como
uma das ações mais efetivas para conter mortes de animais em rodovias no mundo
todo – foi aprovada em um abaixo assinado com mais de 1.500 nomes de
associações e de moradores. Um dos apoiadores é o artista plástico e empresário
turístico Otoniel Fernandes Neto.
Frequentador
histórico da região, para onde se mudou para lá em 2014, Fernandes Neto conta
que desde então presencia motoristas trafegando em altíssima velocidade e
inúmeros animais mortos no trecho de Alto Paraíso à Vila de São Jorge. Depois
de cruzar por “cemitérios a céu aberto” com animais mortos em rodovias pelo
país, ele vê com bons olhos as medidas contra o atropelamentos de animais.
“As lombadas
sem dúvida reduzirão essa matança. Parece que ninguém pode perder uns
minutinhos da sua viagem para salvar os animais silvestres e às vezes a própria
vida. Mas os motoristas criarão novos riscos se acelerarem ainda mais após as
lombadas para compensar o pouco tempo perdido. Falta muita educação ambiental e
de trânsito”, ressaltou.
A
infraestrutura também é apoiada por coletivos e entidades como o Programa de Conservação
de Mamíferos da Chapada dos Veadeiros, da Universidade de Brasília (DF), o
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (ICMBio) e as ONGs ProAnima –
Associação Protetora dos Animais e Fundação Mais Cerrado.
Pé no
freio
Apesar da
decisão judicial e do suporte de entidades públicas e privadas, as medidas em
defesa de animais e de pessoas enfrentam resistências em Veadeiros.
Certos
moradores e políticos alegam desconhecer os atropelamentos de animais e a ordem
judicial, e comentam que redutores de velocidade podem até provocar acidentes.
Alto Paraíso e outros municípios podem recorrer da decisão, afirmam jornais da
região. Enquanto isso, a sinalização tem sido depredada (foto acima) em
protesto.
“Decisão
judicial se cumpre, mas as prefeituras nunca foram avisadas ou participaram do
processo (judicial). Alguns quebra-molas podem causar danos e mortes de
pessoas. Contratamos um laudo técnico sobre isso e tomaremos providências.
Temos que nos preocupar com a vida dos animais e das pessoas”, destacou o
prefeito de Alto Paraíso, Marcus Rinco (DEM).
Advogado,
músico e vereador no mesmo município, João Yuji e Silva (Rede) publicou um
abaixo-assinado eletrônico para colher nomes contra a implantação de
quebra-molas. Até o fechamento desta reportagem, o manifesto tinha cerca de 350
assinaturas.
Também há
críticas por possíveis atrasos nos deslocamentos, especialmente entre Alto
Paraíso e a Vila de São Jorge, onde fica o hoje único portão de acesso ao
Parque Nacional, e de Veadeiros até Brasília, para onde ambulâncias correm com
pacientes feridos gravemente. Não há nenhuma UTI na região.
Em nota
pública, a Associação dos Amigos das Florestas defende que soluções reais
passam por educação no trânsito, melhorias nos serviços de saúde regionais,
afirma que lombadas associadas a placas e sonorizadores são eficientes na
redução de mortes de animais, seguras para motoristas e, ainda, que têm baixo
custo de implantação e manutenção.
Essas são
algumas vantagens da infraestrutura física em relação aos radares. Aparelhos
instalados para controlar a velocidade no entorno do Parque Nacional de
Brasília, na capital federal, podem ser substituídos em breve por lombadas.
Criminosos têm depredado os radares e até trafegado na contramão tentando
evitar o registro eletrônico, aumentando a chance de acidentes.
“Moradores e
políticos se conformaram em levar pacientes graves para Brasília ao invés de
pleitear melhorias nos hospitais regionais. Experiências em outras regiões
mostram que lombadas são mais eficientes e baratas para mitigar atropelamentos
de animais do que os radares eletrônicos”, ressaltou Flávia Cantal, da
Associação dos Amigos das Florestas.
Alerta no
Cerrado
Durante e
após a implantação dos equipamentos na Chapada dos Veadeiros, pesquisadores e
ambientalistas devem prosseguir com o monitoramento sobre a mortandade de
animais.
A legislação
goiana determina não só a adoção de medidas pela redução de acidentes com
espécies silvestres, mas também a criação de um banco de dados sobre os
atropelamentos. Isso ajudará na implantação de novas estruturas em trechos mais
críticos das rodovias estaduais.
Conforme
Leonardo Fraga, da UnB, isso é fundamental para a conservação da fauna em
ambientes fragmentados como os do Cerrado, cujo cenário futuro pode ser de
“ilhas de vegetação nativa” em meio a lavouras. Isso tornaria os atropelamentos
de animais ainda mais frequentes.
“Há previsão
de declínios populacionais significativos de diversas espécies nos próximos
anos, pela degradação de habitats provocada por atropelamentos, caça e contato
com animais domésticos. A conservação do Cerrado depende de ações em escala
regional promovidas pelo poder público e pela sociedade civil”, completou o
pesquisador.
Enquanto
isso não acontece, a vida na savana brasileira encolhe diariamente, inclusive
esmagada pelas rodas de incontáveis veículos.
Fonte: oeco.org


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