Com pouco
mais de 20 anos, Erica Francisca de Sousa tinha um emprego, um filho e um
marido. Ela vivia em Formosa, município goiano do Entorno do Distrito Federal,
e ficou sabendo que mais um bebê estava a caminho. Era uma menina que, ao
nascer, ganhou o nome de Marjorie. A garota trouxe alegria para a família, mas
também uma grande preocupação ao ser diagnosticada, aos dois meses, com Atrofia
Muscular Espinhal (Ame Tipo 1), doença caracterizada pela ausência do gene
SMN1, que produz a proteína alimentadora dos neurônios motores, células da
medula espinhal que controlam os músculos e movimentos do corpo. Para
sobreviver, Marjorie precisa do medicamento que já ficou conhecido como “o
remédio mais caro do mundo”.
Desenvolvido
e fabricado pelo laboratório Novartis de origem suíça, o Zolgensma é uma
terapia gênica inédita no mundo. Aplicado em uma única infusão venosa, o
medicamento fornece ao organismo uma cópia sintética do gene SMN1, levando à
produção da proteína que evita a perda progressiva da função muscular. Com um
ano e cinco meses, Marjorie integra o grupo de várias outras crianças
brasileiras que buscam na Justiça o direito de ter acesso ao remédio que chegou
a custar R$ 12 milhões, mas a Novartis comercializa hoje no País por R$ 8,9
milhões, e continua sendo considerado “o mais caro do mundo”.
Para frear o
avanço da Ame, a droga precisa ser aplicada até os dois anos de idade. Na luta
judicial para ter direito ao Zolgensma, a mãe de Marjorie perdeu a batalha em
primeira instância, na Justiça Federal, mas a advogada dela, Graziela Costa
Leite, uma especialista na área, recorreu com agravo de instrumento e aguarda
julgamento. Enquanto espera, Marjorie, que precisou de um longo período de
internação hospitalar, está em casa sob intensos cuidados, faz uso de
ventilação mecânica e se comunica com a mãe somente com os olhos. O pai se
afastou da família, obrigando Erica a se mudar com os dois filhos para a casa
da mãe, em Planaltina (DF).
Desde agosto
do ano passado, Erica tenta levantar recursos financeiros para adquirir o
Zolgensma. Ela abriu contas na plataforma Vakinha Virtual – Campanha Marjorie
Gonçalves – e no Instagram – Cure a Marjorie. Mas o valor estratosférico do
medicamento está longe de ser alcançado por ela. “Nunca me imaginei numa
situação dessas, mas Deus nos capacita. Eu me considero uma guerreira porque
faço o papel de mãe e de pai. Meu ex-marido já deixou claro que não quer
saber.” A mãe de Érica, funcionária pública que recebe um salário mínimo,
acolheu em casa a filha e os netos.
Anvisa
Estima-se
que hoje no Brasil existam 8 mil pessoas diagnosticadas com Ame. Em agosto do
ano passado a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) registrou o
Zolgensma e seu preço foi estabelecido pela Câmara de Regulação do Mercado de
Medicamentos (CMED), um órgão interministerial. Como a droga está longe de ser
oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as famílias recorrem à Justiça.
Está disponível no SUS o Spinraza (nusinersena), terapia de uso contínuo para
tratamento da atrofia que melhora a condição do paciente, mas não promete os
mesmos efeitos do Zolgensma. Embora essa terapia inédita não cure a doença, não
permite que novos neurônios sejam destruídos por ela. Aos poucos, a criança que
não perde a capacidade cognitiva, ganha qualidade de vida.
O
laboratório Novartis foi procurado para se pronunciar, mas não se pronunciou
até o fechamento desta matéria.
As
melhoras são significativas
A advogada
Graziela Costa Leite, com escritório na capital paulista, é uma especialista em
causas relacionadas à saúde. Mãe de um filho de dez anos, portador de Ame 3,
possui sob sua responsabilidade pelo menos 60 causas em busca do Zolgensma. Até
agora ela foi vitoriosa em oito. Ela atribui o alto preço do medicamento ao
“capitalismo desenfreado, ao abuso econômico”. Segundo ela, não se trata de
incidência de impostos. “Os tributos para comercialização do medicamento ficam
nos Estados Unidos. No Japão, de acordo com a advogada, o mesmo remédio é
vendido pela metade do preço. É baseado no fato de que se trata de uma terapia
única, que Graziela tenta romper as barreiras judiciais.
Quando há o
reconhecimento da Justiça da importância do medicamento há outra batalha
burocrática. O profissional médico que cuida da criança entra em contato com a
indústria farmacêutica, um contrato é encaminhado ao Poder Judiciário e a União
faz o depósito numa conta judicial. No último ano, a advogada acompanhou de
perto as crianças que receberam o Zolgensma. “Elas começam a andar, saem da
ventilação mecânica e passam a interagir mais com suas famílias. São melhoras
significativas. São crianças inteligentes que podem chegar à universidade”,
afirma. Graziela confirma que o abandono de Érica não é único. “Pelo menos 70%
das mães de filhos com Ame estão sozinhas. Os homens não conseguem encarar esse
enfrentamento”.
Fonte: O Popular
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