Uma família
de mergulhõezinhos, filhotes de pato-mergulhão, espécie ameaçada de extinção na
natureza, nasceu em São Paulo durante pesquisa para fortalecer geneticamente a
ave com ninhada para formação de novos casais. Recolhidos por pesquisadores em
dois ninhos no Parque Águas do Paraíso, na Chapada dos Veadeiros (GO), os ovos
chegaram na semana passada ao Zooparque de Itatiba.
O local
paulista é único lugar no mundo habilitado para reprodução dessa ave em
cativeiro, depois de uma verdadeira saga da equipe de cientistas para realizar
a coleta.
“Os filhotes
estão muito bem”, disse o veterinário Alexandre Resende, em entrevista ao
Estadão. Os quatro ovos que descascaram primeiro são do ninho A. Os outros
dois, coletados no ninho B, eclodiram depois e os filhotes também passam bem.
Resende, que
trouxe os seis ovos da Chapada para preparar os nascimentos em Itatiba, é
membro da equipe do ICMBio e consultor do Zooparque de Itatiba, a 86
quilômetros de São Paulo. Ele explicou que os “pais adotivos” aceitaram bem os
filhotes e os patinhos que nasceram primeiro já estão comendo peixes.
De acordo
com o veterinário, ainda não é possível saber se há fêmeas no grupo.
“Precisamos que cresçam um pouco para ver o sexo”, afirmou o especialista.
Desenvolvimento
Durante a
viagem para São Paulo, Resende controlou o desenvolvimento dos bichinhos ainda
dentro dos ovos, chocados em temperatura artificial até serem colocados no
ninho de um casal que cuidava de ovos não férteis.
“Este método
é o melhor. Os pais adotivos ensinam os filhotes a caçar de forma natural,
explicou o veterinário. “Assim, eles ganham peso mais rápido, o sistema
imunológico é muito melhor”, relatou Resende. “É a primeira vez que temos essa
genética do pato-mergulhão da Chapada dos Veadeiros sob cuidados humanos”,
festejou. “Vai ser superimportante para a variabilidade genética do projeto.”
A pesquisa
para a preservação do pato-mergulhão (Mergus octocetaceus) é parte do Plano de
Ação Nacional (PAN) para repovoar a natureza em pelo menos três locais nos
quais ainda há registros da presença dessa ave – considerada sob ameaça crítica
no meio ambiente do Cerrado.
Há, hoje,
somente cerca de 200 indivíduos adultos conhecidos, vivendo em regiões do
Jalapão, em Tocantins, e da Serra da Canastra, em Minas Gerais, monitoradas por
outras equipes, e na Chapada dos Veadeiros.
O
pato-mergulhão é “Embaixador das Águas do Brasil”, título recebido no 8º Fórum
Mundial da Água, em 21 de março de 2018, no Ministério do Meio Ambiente. Ele é
considerado um marcador de qualidade ambiental por só existir em áreas de águas
claras e puras de rios, cascatas, córregos e lagoas.
O
trabalho
O projeto de
salvamento da espécie na Chapada dos Veadeiros ocorre no Parque Estadual de
Águas Lindas, no Entorno do Distrito Federal. É integrado por um time que tem
os biólogos Gislaine Disconzi e Fernando Previdente, do Projeto Pato-mergulhão
Chapada dos Veadeiros, em conjunto com o veterinário consultor do Zooparque.
Auxiliados
por especialistas em canoagem, os cientistas trabalham para formar casais de
pato-mergulhão de diferentes regiões, visando a fortalecer a genética dos
filhotes.
“Coletamos
seis ovos de dois ninhos na Chapada”, comemorou o veterinário, logo que chegou
a São Paulo, ainda a caminho de Itatiba. Para alcançar um dos locais da coleta,
ele e Previdente desceram, pendurados por cordas, por uma parede de cerca de 30
metros até o ninho, feito em um buraco a quase 4 metros acima do nível da água.
Esse sítio reprodutivo estava sendo monitorado pela equipe havia meses.
“A gente tem
40 minutos para acessar o ninho quando a mãe deixa o local para se alimentar”,
relatou o veterinário. Para retirar os ovos, ele usou um braço mecânico de
plástico duro, com uma mãozinha, para alcançar o fundo do buraco e evitar o
toque humano no ninho. A operação tem de terminar antes de a pata retornar do
almoço para que ela não abandone os demais ovos que ficam no ninho.
“Marrento”
O mergulhão
parece ser um pato marrento, admitiu o pesquisador. Ele é diferente de seus
primos de bico chato. Tem um bico fino, com “dentinhos”, uma serrilha que
facilita a pesca. Só vive em água transparente para poder ver o alimento e é
muito arisco.
Pesquisadores
do seu comportamento contam que no passado já viveu na Argentina, no Paraguai e
no Sul do Brasil. “Calculamos que haja entre 175 a 225 indivíduos adultos (nas
áreas protegidas)”, disse a bióloga Gislaine Disconzi, do Instituto Amada Terra
de Inclusão Social, coordenadora do projeto de salvamento. “Aqui na Chapada
estimamos de 30 a 50 indivíduos.”
Marcador
ambiental. Com recursos de entidades que financiam a preservação ambiental,
como o fundo The Mohamed Bin Zayed Species Conservation Fund e o Bird
Conservation Fund, a bióloga explicou que o mergulhão depende de meio ambiente
em equilíbrio. Segundo Gislaine, os cientistas estão descobrindo novidades da
ecologia da ave.
“A espécie
está se esvaindo. Estamos vendo isso no trabalho de campo e discutindo com
pesquisadores de outras regiões”, contou ela ao Estadão. O que se sabe,
ressaltou, é que se trata de uma ave residente. “O mergulhão não tem
comportamento migratório.”
Foi essa
dependência do bicho da existência de água limpa que terminou por transformá-lo
no identificador de qualidade ambiental. “Onde há mergulhão, como em Águas
Lindas de Goiás, é sinal de meio ambiente em excelente estado de conservação”,
disse Gislaine.
Fonte e texto: Estadão Conteúdo
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