O maior
incêndio da história do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás,
saiu impune. É o que aponta a conclusão dos inquéritos Civil e Policial do
Ministério Público Federal (MPF) em Luziânia (GO) sobre o caso. A investigação
foi aberta para averiguar se o fogo foi criminoso e quem seriam os culpados. No
entanto, até hoje nenhum suspeito foi apontado.
A
procuradora da República no MPF/GO Nádia Simas Souza pediu o arquivamento dos
inquéritos “pela antiguidade dos fatos, pelo esgotamento das diligências de
investigação e pela falta de uma linha de apuração idônea sobre a autoria do
crime”.
No pedido de
arquivamento, Nádia Simas dá mais detalhes sobre o incêndio criminoso na Chapada.
“O grande incêndio florestal em apreço foi desencadeado por intermédio de
atuação humana, em razão da multiplicidade de focos, em pontos diferentes e
distantes entre si, porém todos em datas similares ou bastante próximas”,
descreve a procuradora da República no documento.
Segundo
laudo pericial, alguns dos focos foram localizados em pontos fora do perímetro
de contenção do fogo - criado pelas brigadas que atuavam na área. Esse é um dos
indícios que corroboram a hipótese do crime ter sido intencional.
O incêndio
assolou a região entre 17 e 31 de outubro de 2017. As chamas destruíram, no
total, 97 mil hectares, e ultrapassaram os limites do parque nacional. O local
mais atingido foi em Cavalcante: estimativas indicam que 80% do território do
município foi engolido pelo fogo.
A
investigação pode ser reaberta caso surjam provas que ajudem a apontar
suspeitos. O pedido de arquivamento foi protocolado em 19 de abril, menos de
seis meses após o início das investigações — o arquivamento do inquérito civil
foi homologado neste mês; o inquérito policial aguarda homologação no Tribunal
de Justiça de Formosa (GO).
À época da
tragédia, parte dos brigadistas, voluntários e habitantes de Alto Paraíso
levantaram a suspeita sobre proprietários de terras nos entornos do parque. A
motivação seria a expansão dos seus limites - assinada em junho de 2017 por
Michel Temer - de 65 mil para 240 mil hectares. A medida determinou a
desapropriação de terras particulares dentro da nova área da Chapada, com
regularização fundiária pelas áreas agora abrangidas pelo parque.
- Como
servidor público, vejo com serenidade o trabalho dos órgãos de investigação. À
epoca do combate às chamas já sabíamos que a investigação para descobrir os
responsáveis seria muito difícil, pelos locais e horários do início do fogo -
explica o diretor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Fernando
Tatagiba - Mas é óbvio que fico chateado como cidadão. Encontrar os culpados
seria essencial, inclusive para que houvesse punições cabíveis pelo que fizeram
à Chapada.
O incêndio
do dia 17 de outubro começou fora da região das queimadas controladas e dos
aceiros [técnica de retirada de plantação e materiais que podem alimentar as
chamas de um incêndio]. Além do mais, as chamas foram provocadas nas primeiras
horas da manhã, à beira da estrada do Pouso Alto [na rodovia GO-239]. Esses
detalhes mostram como os responsáveis agiram de modo a não haver testemunhas
-relata o diretor do parque.
Um dos
motivos do arquivamento foi a falta de confirmação quanto aos suspeitos. À
época, segundo o inquérito, houve denúncias informais de “vizinhos, servidores
e comerciantes da região, sem, contudo, haver nenhuma testemunha formal ou
fonte humana obtida ou informação útil coletada”.
O MPF retira
a suspeita que pairava sobre posseiros dos entornos - apontados como possíveis
responsáveis pelo fogo:
- Não seria
verossímil que os posseiros irregulares colocassem fogo ao redor de suas
próprias residências, sob risco de destruição das mesmas, e se colocando também
como suspeitos de iniciar os incêndios criminosos - afirma a procuradora, no
pedido de arquivamento.
O diretor do
parque explica que a tragédia serviu, no fim, para estreitar laços entre a
população das cidades afetadas, ambientalistas e o poder público.
- Buscamos
conscientizar sobre a importância da prevenção, inclusive para evitar novas
tragédias como essa. Isso inclui um foco especial nos proprietários de terra e
agricultores, alvo de desconfiança por alguns, mas que vemos como pessoas que
precisam defender o meio ambiente já que dependem dele para suas atividades.
Desde o
episódio foram abertos dois editais para a contratação de 36 brigadistas para a
equipe do Parque Nacional. Em resposta ao MPF, Tatagiba detalhou as ações
tomadas para evitar novos incêndios: formulação e início da implementação do
Plano de Manejo Integrado e Adaptativo do Fogo; formação de brigada voluntária;
elaboração do mapa de combustível acumulado na vegetação do parque com imagens
via satélite para identificar as áreas; além de aprovação de projetos com
financiadores internacionais para proteção da Chapada, como na parceria
estabelecida com o fundo norte americano TFCa.
- Antes,
contávamos com brigadistas apenas no período de seca, por seis meses, ou seja,
apenas em trabalho de combate. Esse panorama mudou, pois temos pessoal para
trabalhar em ações preventivas, como queimas prescritas e aceiros, desde o
primeiro semestre, e com contratos de um ano, renováveis por mais um -
contextualiza o diretor.
Brigadas e
movimentos voluntários para combater as chamas na área da Chapada também se
consolidaram. A principal iniciativa foi a Rede Contra Fogo - Chapada dos
Veadeiros, que angariou mais de R$470 mil para ações de prevenção e combate ao
incêndio. A verba tem sido utilizada para a compra de kits EPI (Equipamento de
Proteção Individual), itens de combate ao fogo e treinamento de turmas de
brigadistas voluntários. A rede segue mobilizada desde então para auxiliar em
quaisquer novos casos, com trabalho integrado aos órgãos federais e municipais no
treinamento de novas turmas.
- Lamentamos
o pedido de arquivamento, pois é sinal que os responsáveis pelas chamas não
serão punidos. O resultado infelizmente confirma como as autoridades
responsáveis estavam desmobilizadas e sem recursos para evitar um episódio como
esse-, afirma Ivan Diniz, um dos criadores da Rede. Ele explica que atualmente
há uma estrutura muito mais robusta para evitar novos incêndios, além de
recursos em caixa, obtidos por meio da campanha de financiamento coletivo
realizada à época.
Tatagiba
concorda, afirmando que há “uma base consistente” para proteger a Chapada;
- Contando
as redes voluntárias, nosso novo contingente de 36 brigadistas, e também os
profissionais da rede PrevFogo, de Alto Paraíso de Goiás, temos mais de 100
pessoas prontas para qualquer emergência.
Fonte: O
Globo
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