Meninas
descendentes de escravos nascidas em comunidades kalungas da Chapada dos
Veadeiros protagonizam as mesmas histórias de horror e barbárie dos
antepassados, levados à força para trabalhar nas fazendas da região nos séculos
18 e 19.
Sem o ensino
médio e sem qualquer possibilidade de emprego além do trabalho braçal em terras
improdutivas nos povoados onde nasceram, elas são entregues pelos pais a
moradores de Cavalcante. Na cidade de 10 mil habitantes, no nordeste de Goiás,
a maioria trabalha como empregada doméstica em casa de família de classe média.
Em troca,
ganha apenas comida, um lugar para dormir e horário livre para frequentar as
aulas na rede pública. Para piorar, fica exposta a todo tipo de violência. A
mais grave, o estupro, geralmente cometido pelos patrões, homens brancos e com
poder econômico e político.
As vítimas
têm entre 10 e 14 anos. Os autores, de profissionais liberais a políticos, de
20 a 70. Por enquanto, eles continuam impunes. No entanto, a história começou a
mudar em dezembro, quando a direção da Polícia Civil goiana decidiu trocar todo
o efetivo da delegacia local.
Mesmo sem
estrutura e gente suficiente, os novos investigadores, vindos de outras cidades
e assustados com tantos casos de estupro de vulnerável — em que a vítima tem
menos de 14 anos — engavetados, decidiram dar prioridade a esse tipo de
ocorrência.
Desde então,
concluíram oito inquéritos. O mais recente tem como indiciado o vice-presidente
da Câmara Municipal, Jorge Cheim (PSD), 62 anos. Há duas semanas, um laudo
comprovou o estupro da menina kalunga de 12 anos que morava na casa dele.
Sem respostas
O delegado
Diogo Luiz Barreira pediu a prisão preventiva de Cheim, que, além de vereador
por três mandatos, é ex-prefeito de Cavalcante e marido da atual vice-prefeita
do município, Maria Celeste Cavalcante Alves (PSD). O pedido e o inquérito
contra ele estão com a única promotora de Justiça de Cavalcante, Úrsula Catarina
Fernandes Siqueira Pinto. Respondendo pela comarca do município há 18 anos, ela
é casada com um primo de Cheim.
A amigos e
policiais da cidade, ela disse que deve se declarar suspeita na fase de ação
judicial. A Corregedoria-Geral do Ministério Público de Goiás (MPGO) analisa
reclamação autuada no mês passado contra o trabalho dela. Na denúncia,
moradores reclamam de supostas lentidão e falta de resposta às denúncias de
crimes cometidos na cidade.
A promotora,
que atende ao público só às quintas-feiras, não foi encontrada para entrevista
nem retornou os recados deixados pela reportagem do Correio, que esteve em
Cavalcante terça e quarta-feira.
Em depoimento, Cheim negou o crime. Alegou ter
levado a vítima para morar na casa dele devido às dificuldades financeiras da
família da menina, moradora de um povoado quilombola distante 100km da sede do
município.
Sobre a
falta de autorização judicial para cuidar da criança, ressaltou que a promotora
sabia de tudo. A equipe do Correio foi à casa do acusado, na terça-feira. Dois
homens, um deles filho do vereador, receberam a reportagem na porta. Disseram
que o vereador estava na fazenda dele, mas faria questão de dar entrevista.
Garantiram que ele seria encontrado na sessão da Câmara, na noite de terça.
Cheim faltou à reunião, não foi visto mais na cidade nem retornou às ligações
do jornal.
Fonte:
Correioweb
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