O vilarejo da comunidade kalunga do Vão de Almas, na Chapada dos Veadeiros, fica deserto o ano todo e praticamente só ganha vida durante a semana da Festa de Nossa Senhora da Abadia |
No meio do
Vão de Almas, uma das áreas habitadas de Cerrado mais preservadas da Chapada
dos Veadeiros, em Goiás, existe uma vila repleta de casinhas de tijolos de
adobe, telhado de palha e chão de terra batida. Construída por quilombolas, os
kalungas, esse vilarejo só ganha vida durante poucos dias do ano. No resto do
tempo, é uma vila "fantasma", com pouca gente circulando por lá.
As casas
ficam dispostas aos dois lados de uma capela, dedicada a Nossa Senhora da
Abadia. O pequeno templo, por sua vez, tem à frente a linha de postes de
eletricidade, que só chegaram em 2017 e fazem coro com alguns outros poucos
indícios de modernidade visíveis por ali. Entre eles: algumas casas com telhas
de zinco em vez de palha, o grafite temático feito em uma das casas de adobe,
algum vestígio de lixo plástico que ficou pelo chão.
Se não
fossem esses detalhes, um viajante do tempo que acordasse hoje desnorteado na
vila do Vão de Almas teria sérios problemas para definir se desembarcou no
século 17, 18, 19... Dificilmente seu palpite seria o ano de 2019, em pleno
século 21.
As
construções de adobe seguem o mesmo estilo de séculos atrás, um dos belos
traços de resistência cultural quilombola que o espaço simboliza.
Dentre as
crenças e superstições locais, uma delas é justamente sobre o rio à beira do
qual fica a vila. O que no mapa tem o nome de Rio das Almas para muito kalunga
é simplesmente o Rio Branco, e a troca de nome não parece ser à toa. O que se
diz na região é que já morreu muita gente nesse rio, seja por afogamento,
acidente ou suicídio. E que chamá-lo por outro nome evita atrair má sorte.
A reportagem
esteve no local durante os festejos de Nossa Senhora da Abadia, realizado todos
os anos durante uma semana de agosto, dos únicos períodos em que o lugar sai de
seu estado habitual e fica repleto de gente. Com participação estimada em quase
2 mil pessoas, o evento inclui romaria e rezas católicas, tradições dos
congados africanos, jogatina, foguetório constante e muito forró.
Ao final da
visita, com a vila praticamente esvaziada após a maioria das famílias voltar
para suas pequenas fazendas, o cenário possibilitou a realização deste ensaio
fotográfico. É o retrato de um vilarejo que passa mais de 350 dias no ano
desabitado, com poeira circulando entre casinhas trancadas e quem sabe algumas
almas do passado à espera dos próximos festejos.
Sobre as fotos
Este ensaio
foi feito com uso de filtro infravermelho, que permite ao sensor da câmera
digital captar e destacar frequências de luz de forma diferente do
convencional. As imagens foram originalmente captadas com cor em tons de
vermelho e passaram por edição para que se chegasse ao resultado final.
Agradecimentos: aos fotógrafos
Marcelo Parducci e Antonio Saggese, especialistas em fotografia infravermelho
que compartilharam um pouco de seus conhecimentos com o autor deste ensaio.
Fonte: G1
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