Ana Dantas, 61 anos, perdeu a filha em outro crime bárbaro em Matrinchã e quis visitar os túmulos de Daniel e Elizeth |
Sob a terra
aquecida pelo sol escaldante de Matrinchã, jazem os corpos de Daniel Antônio de
Sousa e Elizeth Bruno de Barros. No cemitério simples, duas imensas e
produtivas árvores de baru insistem em dar um pouco de vida ao lugar, provando
que a natureza pode ser pródiga até mesmo em condições adversas. Com os homens
nem sempre a história termina em final feliz.
Ana Dantas
de Amorim, dona de casa de 61 anos, venceu a pé dois quilômetros de asfalto até
o setor conhecido como Agrovila e outros cinco de estrada de terra para chegar
na chácara onde o prefeito e a primeira-dama de Matrinchã foram mortos com
profundos cortes no pescoço, no dia 4. “Eu não acreditei. Precisava ver de
perto. Lembrei demais da minha filha”. As lágrimas escorrem pelo rosto ao
lembrar de Queila, 33 anos, morta barbaramente pelo marido, deixando órfãs três
crianças. “Foram eles que me consolaram o tempo todo. Eles eram do povo”, conta
a dona de casa sobre Daniel e Elizeth. Agora, Ana, que é vizinha do cemitério,
tem mais um túmulo para chorar.
A morte
brutal de Queila era até o dia 4 a lembrança maior de violência na pequena
Matrinchã. Ali, todos se conhecem, pessoas e carros estranhos são observados
com interesse e qualquer passo em falso municia conversas reforçadas pelo dito
popular de que “quem conta um conto aumenta um ponto”.
silêncio
A cerca de
um ano e meio do processo eleitoral que irá renovar o poder local, os contos
políticos proliferam em Matrinchã. Longe da capital quase 300 quilômetros, o
município, como tantos outros no País, sobrevive como um gueto dominado por
poucos, reconhecidos por muitos. Quando agosto chegou e com ele a barbárie, o
medo reforçou a ideia de que o silêncio pode ser o melhor companheiro até que a
Justiça faça jus à sua denominação. A confissão de um aliado do prefeito e da
primeira-dama de ter sido o autor do crime brutal significou para os cerca de 5
mil moradores de Matrinchã a certeza de que o poder traz em suas entranhas
detalhes tão ínfimos e escusos que são capazes de despertar monstros na calada
da noite.
“Em uma
cidade pequena a gente tem medo de falar, mas a ganância pelo poder provocou
isso”, diz uma dona de casa enquanto aguarda hora no salão de Vanderley César.
O duplo homicídio é assunto recorrente no estabelecimento. “Foi muito chocante
o que aconteceu”, afirma ele. Aos 39 anos, sem nunca ter deixado Matrinchã, o
profissional da tesoura revela que este foi o episódio que mais abalou o
município.
Ali perto, a
única coisa que não mudou para Albino José Couto, 77 anos, foi a predileção
pelo grande chapéu. Todos os dias quando acorda, o chapéu preto de abas largas
vai para a cabeça e ele abre o Bar do Couto com um sorriso no rosto. Foi
diferente na manhã do dia 5. “Quando soube, não consegui abrir as portas”. A
mesa barulhenta de truco ficou vazia. Ao ser reaberto, o bar do seu Albino só
tinha um assunto. “Eles podiam ser o que fossem, mas não mereciam morrer desse
jeito”, comenta um freguês.
LARGAR TUDO
Na Paróquia
Santa Luzia, proprietários de terras na cooperativa rural procuraram o padre
Marcos Antônio Belarmino para confidenciar que estão com medo e pretendem
abandonar tudo. Para o religioso, Daniel tinha uma virtude: tratava a todos com
um sorriso no rosto.
Na Agrovila,
qualquer carro que levanta poeira atrai olhares imediatos. É assim também na
casa do vereador Lucenildo João Alves (PR), morador do local. Amigos pessoais
de Daniel e Elizeth, ele e a mulher Maria Aparecida sentem falta do convívio
constante com os vizinhos. “Eu pegava minha moto e ia pra lá jogar conversa
fora”, conta Luce, como é conhecido. “Está tudo muito triste”, reforça a
mulher. “O que a gente mais quer é saber quem está por trás desse mistério”.
Fonte: O Popular
Comentários
Postar um comentário