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Césio 137: 30 anos do pesadelo azul

Equipamento de radiologia onde foi encontrada a cápsula do Césio-137

Leide das Neves, 6 anos, foi a primeira vítima do césio-137 

O maior acidente radiológico do mundo começou quando, no dia 13 de setembro de 1987, dois catadores de recicláveis acharam um aparelho de radioterapia abandonado, desmontaram e o venderam a um ferro-velho de Goiânia.

Eles não tinham noção de que se tratava do césio-137. Altamente radioativo, o pó de coloração azul, que ficava no equipamento, causou quatro mortes e contaminou, pelo menos, 249 pessoas.

Sete pontos de Goiânia foram os mais atingidos pela contaminação. Evacuados na época, a maioria desses locais está ocupada atualmente. Grande parte dos moradores ainda vive na vizinhança, e se recorda da tragédia quase que diariamente. Alguns ainda temem ser contaminados. No entanto, especialistas garantem que não há risco.

Encantamento

O equipamento foi vendido a Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho, localizado no Setor Aeroporto. Seis dias depois, seu irmão, Ivo Alves Ferreira, viu a pedra que brilhava à noite e, encantado, levou fragmentos para casa.

Além dele, um amigo de Devair, Ernesto Fabiano, também havia levado parte do material para casa e deu um pouco do pó para o irmão, Edson Fabiano, que levou o “presente” para a residência dele, também no Setor Aeroporto.

Descoberta do perigo

Aos poucos, o material radioativo foi entrando em contato com outras pessoas, até que no dia 28 de setembro de 1987, a mulher de Devair, Maria Gabriela Ferreira, de 37 anos, percebeu que todos que estiveram próximos ao “pó azul” estavam se sentindo mal. Ela, então, levou o equipamento até a Vigilância Sanitária Estadual, onde foi descoberto que se tratava de um material radioativo indevidamente descartado.

Foram registradas oficialmente quatro mortes causadas pelo césio-137. A primeira delas foi a filha do Ivo Alves Ferreira, a menina Leide das Neves Ferreira, de 6 anos, que morreu em 23 de outubro de 1987, e se tornou um símbolo da tragédia.

No mesmo dia, Maria Gabriela, que era tia da Leide, também morreu. As outras duas mortes confirmadas em decorrência do contato com o césio-137 foram dos funcionários do ferro-velho Israel Batista dos Santos, de 20 anos, no dia 27 de outubro, e Admilson Alves de Souza, de 18 anos, que morreu no dia seguinte.

Entre as pessoas que sobreviveram à contaminação estão os funcionários que trabalharam na limpeza dos lugares por onde o material radioativo passou. Ouvidos pela reportagem, eles relatam que, nos primeiros momentos, estiveram nos locais sem o material de proteção adequado. As vítimas contam que, além de sofrer humilhações, foram agredidas e até expulsas de ônibus.

Caso de Justiça

Em 1996, os médicos Carlos Bezerril, Criseide Dourado e Orlando Teixeira, responsáveis pela clínica desativada, além do físico Flamarion Goulart, que prestava consultoria para o IGR, foram condenados por homicídio culposo das quatro vítimas, quando não há intenção de matar.

O dono do prédio, Amaurillo Monteiro, também foi condenado, mas depois conseguiu a suspensão da pena. Em 1998, todas as penas foram extintas, por um indulto presidencial.

No último dia 2 de setembro, Flamarion afirmou ao Fantástico que, depois que o IGR foi desativado, a cápsula com o césio-137 tinha sido levada ao Hospital Araújo Jorge e que não sabe como o equipamento voltou para o lote do instituto. Diante da declaração, a associação mantenedora da unidade instaurou uma sindicância para apurar a denúncia feita três décadas após o fato.

Sequelas

Diante de tantos danos sofridos, as vítimas do maior acidente radiológico do mundo correram atrás de direitos na Justiça. Os diretamente afetados pela radiação recebem cobertura do plano do Instituto de Assistência aos Servidores Públicos do Estado de Goiás (Ipasgo), além de pensões. No entanto, três décadas depois do acidente, muitos ainda relatam que faltam apoios médico e financeiro.

O Centro de Atendimento aos Radioacidentados (Cara) é o órgão da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO) responsável pelos atendimentos às vítimas do césio-137.

O Cara surgiu da antiga Superintendência Leide das Neves (Suleide) e dividiu os pacientes em três grupos: o de pacientes que apresentaram mais de 20 rads no corpo, que é a unidade de medida de quantidade de radiação identificada; os com menos de 20 rads; e o formado por vizinhos do local onde houve o acidente e trabalhadores que atuaram na área contaminada. Os filhos e netos dos dois primeiros grupos também têm direito à assistência.

As vítimas e parentes dos afetados pelo césio-137 alegam que os recursos da pensão são insuficientes para arcar com o custo dos medicamentos. Outros afirmam que sofrem as consequências da contaminação, mas não conseguiram o direito à pensão ou assistência médica.

O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) atuou, na época, em defesa dos servidores públicos que trabalharam nas regiões em que a cápsula foi aberta, fazendo a segurança do local e transportando material considerado lixo radioativo. Conforme o promotor Marcus Antônio Ferreira Alves, autor do inquérito, vários deles apresentaram sintomas de intoxicação pela radiação e doenças graves, como câncer, e não eram reconhecidos como vítimas.

Isolamento máximo

Os rejeitos do césio-137 estão enterrados em duas enormes caixas de concreto, em um depósito em Abadia de Goiás, na Região Metropolitana de Goiânia. A reportagem foi até o local que abriga os restos de construções e objetos que estiveram em contato direto com a radioatividade.

O espaço fica de uma área de 32 alqueires, dentro do Parque Estadual Telma Otergal, às margens da BR-060. Lá, foi construído o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro Oeste (CRCN-CO), que é vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem). Sua função é monitorar os rejeitos do césio e promover pesquisas na área ambiental ligadas à radioatividade.

Em troca da concessão de 50 anos do governo do estado para funcionar no local, o CRCN-CO realiza procedimentos diversos como forma de contrapartida. Entre eles, estão pesquisas na área de saúde ligadas às questões nucleares e radiológicas. Também há programas de formação de estágio, bolsistas e projetos de pesquisas, além de um programa de monitoramento ambiental.

Fonte: G1

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