Em dez anos,
mais de 20 mil pessoas negras foram assassinadas em Goiás. O número equivale a
toda população do município de São Simão, cidade do interior do estado, que
fica às margens do Rio Paranaíba. Isso é o que aponta o Atlas da Violência,
estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), na última quarta-feira (5).
De acordo
com o estudo, entre 2007 e 2017, 20.577 negros foram vítimas da violência no
Estado. No mesmo período, 5,8 mil pessoas, indicadas como não negras no estudo,
foram assassinadas. A variação é de 71%. Em todo o país, 75,5% as vítimas dos
homicídios eram negras. O estudo aponta que, a cada 100 mil habitantes, 43,1
negros foram mortos. Na mesma variável, 16 vítimas eram não negras. O estudo
conclui que, a cada indivíduo não negro morto, 2,7 negros eram assassinados.
Em Goiás, as
mulheres negras também são mais vítimas de violência do que as não negras.
Segundo o Atlas, a taxa de homicídios subiu 131,7% em uma década. Em 2007, 82
mulheres negras foram mortas e, em 2017, o número saltou para 190 vítimas. A
taxa de mortes a cada 100 mil habitantes aumentou em 87,3%. Em 2007, a taxa era
de 4,7 mulheres assassinadas e em 2017 passou para 8,8.
As mortes
entre mulheres não negras saltou de 51, em 2007; para 59, em 2017. Ou seja:
houve aumento de 15,7%. Há dez anos, a cada 100 mil habitantes, 4,2 mulher não
negras eram mortas. Em 2017, essa taxa saltou para 4,5.
Falta humanidade e pesquisa
Segundo o
vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), Gilles Gomes, esses resultados mostram a falta de olhar mais
humano do poder público para as classes tidas como marginalizadas. Giller
também aponta que faz falta um instituto de pesquisa mais eficaz para levantar
e traçar outras pesquisas ainda mais específicas.
“Era
importante a existência de um instituto sério para levantar as questões de
quantas pessoas morreram em decorrência do tráfico, quantas dessas pessoas
morreram em confronto com a polícia e outras especificações. Isso tudo serve
para ter um parâmetro que ajuda em traçar medidas para contribuir com a
diminuição desses números”, aponta.
Para o
vice-presidente, a segurança pública atual não abrange toda a população e isso
acarreta ainda mais a segregação as pessoas em relação à classe social à cor.
“A segurança acaba atingindo pessoas que moram em regiões mais centrais da
cidade, que conta com uma melhor educação, infraestrutura. Enquanto isso, a
outra parcela da população fica à mercê da criminalidade”, explica.
Além disso,
Gilles afirma que os números demostram que o Brasil ainda é um país racista e
que os governantes praticam o que ele chama de “racismo institucional”. Ele
explica que isso acontece quando o Estado é responsável pela ação ou omissão
dessas mortes.
“As pessoas
não são ingressas em um sistema mínimo de inclusão que nos permite viver na
atual situação. Além disso, nos deparemos com uma sociedade cada vez mais
individualista. O outro não existe. A austeridade se torna um adereço. Vemos
muito isso sendo estimulado pelo Estado quando é falado sobre armar a
população, ao querer retirar uma responsabilidade coletiva e passa a ser
individual. Ou quando o investimento com o coletivo é visto como gasto, como no
caso da educação e saúde”, ressalta.
Possíveis soluções
Para o
Gilles, os números negativos poderiam ser revertidos com três hipóteses. A
primeira seria aproximar a segurança pública da cidadania. De acordo com o
vice-presidente, a atual realidade é que as forças policiais são repressoras e
que seria necessário um trabalho em conjunto de inteligência entre as
corporações para mudar essa situação. “A segurança pública não é para todos.
Ela atende a parte incluída da sociedade”, afirma.
A segunda
seria a revisão da Lei das Drogas. De acordo com Gillies, a atual legislatura
causa a prisão de pessoas moradoras da periferia, negras e jovens detidas com
pequenas quantidades de drogas. “Com isso, jovens que vivem dentro do
condomínios de luxos não são sequer submetidas ao ‘baculejo’, pois a polícia
não entra no local. Essa inversão levou a triplicação da população carcerária
de pessoas presas por drogas e ao tráfico”, conta.
A terceira
seria o fortalecimento das políticas públicas voltadas à inclusão da população
mais fragilizada como mulheres, negros, crianças, adolescentes e jovens que são
as principais vítimas da violência. “A atual forma de viver exclui algumas
pessoas de terem uma oportunidade clara de educação formal ou acesso ao mercado
digno de trabalho. Com isso, elas são induzidas a outra alternativa para se ter
o tênis, celular, camisa da moda”, finaliza.
Com a palavra, o governo
A reportagem
entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública e, por meio de nota,
informou que “o Atlas se refere a um período de outro governo. Não temos como
falar de política públicas ou a ausência delas em 2017 porque estávamos fora do
governo. Seria preciso consultar o pessoal da época, e do ponto de vista
sociológico estudiosos da academia”, diz o texto.
Fonte: Mais
Goiás
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