A alta
temporada do turismo estaria para começar na Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
Após o período mais chuvoso, a água abundante dos rios alimenta o espetáculo
das inúmeras cachoeiras da região, que atrai visitantes de todo o mundo. Neste
ano, no entanto, as verdes paisagens do Cerrado estão esvaziadas da presença
humana. Devido à pandemia do novo coronavírus, os atrativos naturais estão
fechados, bem como hotéis, pousadas, áreas de camping, restaurantes e boa parte
do comércio.
As medidas
que visam assegurar a preservação da saúde da população atingem em cheio os
empresários e trabalhadores que dependem do movimento de turistas. Há mais de
um mês sem poderem trabalhar, as dificuldades chegaram principalmente às
pessoas de menor renda. Mas uma rede de solidariedade entrou em ação para
amenizar os prejuízos.
“Todos estão
perdendo bastante, mas os guias turísticos e os pequenos produtores rurais, que
vendem alimentos orgânicos para os restaurantes, são, talvez, a parte mais
frágil da cadeia produtiva. Foi justamente pensando nas famílias em situação de
maior vulnerabilidade, que iniciamos a articulação da campanha Chapada
Solidária, que visa fornecer cestas de mantimentos, com itens de higiene e
alimentação”, explica o cineasta Amilton Sá, 39 anos, que há duas décadas vive
no município de Alto Paraíso e atua como voluntário do movimento assistencial.
A iniciativa
é empreendida de forma colegiada, com a participação de ONGs, voluntários e
entes governamentais. Até o momento, foram distribuídas cerca de 160 cestas
solidárias, que, além dos produtos de limpeza, contam com alimentos adquiridos
dos produtores rurais orgânicos locais. No último fim de semana, por meio de
uma contribuição viabilizada pela Fundação Banco do Brasil, 17 toneladas de
mantimentos chegaram à região, com objetivo de atender em torno de 800 famílias
dos municípios de Colinas do Sul e Alto Paraíso, além do distrito de São Jorge.
Após a montagem dos kits, que contou com a colaboração de cerca de 80 pessoas,
a distribuição começou ontem. Ainda não é suficiente, mas ajuda.
“Estamos
construindo o diálogo para que o socorro alcance também outras localidades da
Chapada dos Veadeiros. São operações complexas, que exigem um fluxograma de
acompanhamento logístico, financeiro e de mão de obra voluntária. Trabalhamos
com a metodologia do Sistema de Controle de Incidentes (SCI), a mesma utilizada
pela Rede Contra Fogo, que atuou nos grandes incêndios de 2017 e serviu para
uma grande mobilização de solidariedade, com transparência das ações”, explica
Amilton.
Para quem
quiser contribuir com a campanha, basta acessar o site chapadasolidaria.org. A
primeira meta da mobilização foi alcançada, com a arrecadação de R$ 44 mil. Nos
próximos dias, os recursos servirão para a composição de cerca de 360 cestas
solidárias de mantimentos. A próxima etapa do movimento pretende atingir R$ 152
mil em doações. A intenção dos organizadores é manter a mobilização até
dezembro. Atualmente, em torno de 150 voluntários colaboram nas diversas etapas
de trabalho da iniciativa.
Necessidade
Sócio-diretor
da Travessia Ecoturismo, Ion David, 45 anos, está preocupado com a crise. Em 30
anos de atuação na Chapada dos Veadeiros, jamais havia visto algo parecido. “É
uma necessidade real. Tive de suspender os contratos de quatro empregados,
seguindo as normas estabelecidas pelo governo federal. Outros 15 guias
turísticos com quem temos parcerias estão sendo ajudados de acordo com a
possibilidade”, conta o empresário.
Decreto
publicado pela Prefeitura de Alto Paraíso estabelece que até 20 de maio todas
as atividades turísticas do município permanecerão suspensas. Trabalhadores do
segmento sentem o impacto e esperam uma retomada gradual, ainda sem data para
acontecer. Uma previsão otimista seria a partir de julho. “Há um comitê de
crise instalado justamente para estudar protocolos que viabilizem a reabertura.
Isso não vai acontecer de uma hora para outra. Talvez, os leitos de hotéis e
pousadas tenham apenas 50% de disponibilidade no começo, passando por
intervalos de quarentena para desinfecção entre a saída e a chegada dos
hóspedes. O café da manhã seria servido nos apartamentos. Os restaurantes
teriam de respeitar o distanciamento entre as mesas e o serviço à la carte em
vez de bufê. Os atrativos naturais seriam limitados a 60% da capacidade de
público. São propostas em análise para viabilizar a reabertura do setor
turístico”, comenta Ion David.
Cautela
para retomar as atividades
Apesar da
expectativa de empresários e trabalhadores do turismo de retomarem as atividades
o mais brevemente possível, as autoridades públicas demonstram cautela. Até o
momento, nenhum caso de Covid-19 foi diagnosticado nos municípios da Chapada
dos Veadeiros, mas o trânsito de turistas pode justamente provocar a ocorrência
dos primeiros casos. Há grande temor quanto a um possível alastramento da
infecção, especialmente porque as cidades da região não contam com suporte
médico adequado — quando muito, têm um respirador à disposição.
Desde que o
fechamento ao turismo foi determinado, há cerca de um mês e meio, estima-se que
o município de Alto Paraíso, um dos mais visitados da Chapada dos Veadeiros,
com média de 15 mil pessoas por feriado prolongado, deixou de arrecadar R$ 10
milhões em impostos. “O prejuízo econômico é imenso, mas a vida da população
está em primeiro lugar. Estamos seguindo a orientação do governo estadual, que
se antecipou à pandemia e, até agora, conseguiu resguardar a saúde da nossa
população. Não podemos descuidar”, explica o secretário municipal de Turismo e
Desenvolvimento Econômico, Moisés Bandeira Neto.
Em São João
d’Aliança, município conhecido como portal da Chapada dos Veadeiros, localizado
a 160km de Brasília, o fechamento para o turismo também preocupa, apesar de os
impactos serem menores. A recente abertura e divulgação de atrativos como a
Cachoeira do Label, a mais alta do Centro-Oeste, com 187 metros, vinha atraindo
centenas de visitantes todos os meses, mas a onda de prosperidade foi suspensa
por tempo indeterminado. “As pessoas que trabalham no setor estão sentindo
falta desse recurso. Com apoio de fazendeiros, empresários e outras pessoas da
comunidade, também fizemos a distribuição de cestas básicas para o público mais
carente, mas, no nosso caso, o turismo ainda é uma atividade complementar.
Nossa população, em geral, tem outras ocupações. Mas, claro, faz muita falta”,
comenta o secretário de Turismo e Meio Ambiente, Geraldo Bertelli.
Fonte: Correio Braziliense
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