Um pedido de
vista (mais tempo para análise) do ministro Dias Toffoli interrompeu pela segunda
vez o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade
da vaquejada, tradição cultural nordestina na qual um boi é solto em uma pista
e dois vaqueiros montados a cavalo tentam derrubá-lo pela calda.
O tribunal
analisa uma lei do Ceará que regulamenta a vaquejada no estado.
O resultado
desse julgamento se aplicará somente à realização desse evento no Ceará, mas
abrirá caminho para proibições em outros estados.
Quatro
ministros votaram a favor de permitir a vaquejada: Luiz Fachin, Teori Zavascki,
Gilmar Mendes e Luiz Fux. Outros quatro votaram por declarar a lei
inconstitucional: Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso
de Mello. Faltam os votos dos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e
Cármen Lúcia.
Os ministros
analisam uma Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que visa derrubar lei estadual do
Ceará sob o argumento de que a vaquejada, inicialmente associada à produção
agrícola, passou a ser explorada como esporte, e que laudos técnicos
comprovariam danos aos animais.
Ministros contrários à vaquejada
Janot diz
que, no evento, os animais são enclausurados antes do momento de entrar na
pista. Enquanto aguardam, são “açoitados e instigados”. O procurador alega
ainda que os cavalos utilizados pelos vaqueiros podem sofrer lesões decorrentes
do esforço físico.
Além disso,
conforme a ação da PGR, o gesto brusco de tracionar e torcer a calda do boi,
bem como o tombamento, podem causar danos aos animais. O julgamento do pedido
do procurador teve início em agosto do ano passado, mas foi interrompido,
naquela época, por um pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do
ministro Luís Roberto Barroso.
Em junho de
2016, Barroso trouxe seu voto ao plenário e defendeu o fim das vaquejadas. Em
seu voto, ele alegou que é preciso garantir aos animais o direito de não sofrer
dor. “Não tenho dúvida de que [na vaquejada] há imenso sofrimento, imensa
crueldade, por simples desfastio de entretenimento”, afirmou o ministro.
'Crueldade'
Barroso
ponderou que a posição de vetar a vaquejada poderá provocar danos comerciais,
mas destacou que se sentiria pior se permitisse a continuação da atividade.
“Reconheço
que é uma atividade esportiva e cultural com importante repercussão econômica
em muitos estados, sobretudo na região Nordeste. Não me é indiferente este fato
e lastimo o impacto que minha posição produz sobre pessoas e entidades
dedicadas a essa atividade”, disse.
“No entanto
esse sentimento não é superior ao sentimento de garantir a continuação de uma
prática que submete animais à crueldade. Uma prática de entretenimento,
desportiva, comercial. Se os animais possuem algum interesse, esse interesse é
de não sofrer”, completou.
O relator da
ação, ministro Marco Aurélio Mello já havia votado pela inconstitucionalidade
da vaquejada. Ele destacou que, de um lado, o art. 215 da Constituição Federal,
garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais. De outro, o art. 225
da Constituição, assegura a proteção ao meio ambiente.
Marco
Aurélio sustentou que, embora haja princípios constitucionais conflitantes no
caso, “a crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do valor
cultural como resultado desejado”.
Ministros favoráveis à vaquejada
Já os
ministros Luiz Edson Fachin, Luiz Fux, Teori Zavascki e Gilmar Mendes
defenderam que a vaquejada é uma manifestação cultural que deve ser garantida.
“É preciso
despir-se de eventual visão unilateral de uma sociedade eminentemente urbana
com produção e acesso a outras manifestações culturais, para se alargar o olhar
e alcançar essa outra realidade. Sendo a vaquejada manifestação cultural,
encontra proteção expressa na Constituição”, sustentou Fachin, ao proferir voto
no ano passado.
Para o
ministro, “não há razão para se proibir o evento e a competição, que reproduzem
e avaliam tecnicamente atividade de captura própria de trabalho de vaqueiros e
peões desenvolvidos na zona rural desse país”. “Tal atividade constitui-se modo
de criar, fazer e viver da população sertaneja”, concluiu.
Danos econômicos
Já Gilmar
Mendes chamou a atenção para os danos econômicos que a proibição da vaquejada
poderá provocar. "Estamos falando de 200 mil empregos. E a lei do Ceará
visa exatamente que essa prática se dê com padrões civilizatórios",
sustentou.
O ministro
também comparou proibir a vaquejada à comercialização do foie gras. Para o
ministro, é preciso estimular práticas que impeçam o sofrimento dos animais,
mas não vetar uma manifestação cultural.
"Vamos
estar colocando na clandestinidade uma prática de uma região do país que já é
discriminada pelo subdesenvolvimento. Essa decisão não pode caminhar nesse
sentido. A lei do Ceará faz um esforço no sentido de emprestar tratamento
adequado", disse.
Fonte: G1
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