O governador
do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), colocou R$ 7 milhões do orçamento
secreto no interior do Piauí, em municípios onde ele tem extensas fazendas de
gado. As terras ficam no extremo sul do Estado, a mais de 800 quilômetros de
Brasília.
O Estadão
revelou na quinta-feira, 13, que Ibaneis, um dos poucos governadores aliados de
Jair Bolsonaro, foi contemplado com o esquema montado dentro do Palácio do
Planalto para aumentar a rede de apoiadores do presidente.
Até o
fechamento deste texto, a reportagem não havia obtido resposta do Ministério do
Desenvolvimento Regional se Ibaneis foi o único governador, em 2020, a impor
diretamente a aplicação de recursos das chamadas emendas RP9. A cota dele foi
de R$ 22 milhões. Como as tratativas em torno da divisão do dinheiro são
sigilosas, não é possível conferir os contemplados. A pasta tem negado a
existência do "tratoraço", como o caso ficou conhecido nas redes
porque políticos usaram a verba para comprar tratores.
Por uma
decisão do próprio Bolsonaro, esses recursos provenientes de uma nova
modalidade de emenda deveriam ser distribuídos pelos ministros com base em
critérios técnicos. Mas documentos aos quais o jornal teve acesso mostram que
políticos escolhidos pelo Planalto impuseram não apenas as cidades, mas o que
deveria ser comprado com R$ 3 bilhões do Ministério do Desenvolvimento
Regional.
Assim, como
a maioria dos parlamentares, Ibaneis também enviou sua cota para a Companhia de
Desenvolvimento dos Vales São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). A estatal do
Centrão, sediada em Brasília, foi inflada no atual governo e virou um duto para
escoar recursos do orçamento secreto.
Para
Sebastião Barros, onde fica a sede de uma de suas fazendas, Ibaneis destinou R$
4,7 milhões para recuperar estradas, comprar caminhão e trator, construir ponte
e instalar poste de energia. O dinheiro chegou no ano eleitoral de 2020, quando
o governador tentava reeleger um aliado para a prefeitura. Seu candidato perdeu
a eleição.
Na vizinha
Corrente, município de sua família, onde passou a infância, Ibaneis enviou R$
1,4 milhão para "execução de serviços de recuperação de estradas
vicinais". Oeiras, mais no centro do Estado, teve R$ 428 mil para comprar
tratores, roçadeiras, caminhões-tanque e batedeiras de cereais. Há, ainda, mais
R$ 361 mil para a estrutura da Codevasf no Piauí com a compra de tratores e
carros 4x4.
Em
entrevista coletiva na quinta-feira, 13, Ibaneis justificou ser "um
político que saí da esfera do DF", com "projeção nacional, inclusive
com apoio a diversas prefeituras de diversos Estados do Brasil". Sobre a
escolha das cidades coincidir com suas terras, afirmou: "Não houve
qualquer benefício em áreas próximas à fazenda do governador." O
governador cria cavalos quarto de milha, gado nelore e caprinos. A revista
Época revelou que ele possui 14 mil hectares de terra.
A aliança
entre Ibaneis e Bolsonaro vai da atuação na pandemia ao jogo do poder no
Congresso. O governador participou da ofensiva do Planalto para eleger o
deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG)
aos comandos da Câmara e do Senado, sintonizou sua atuação na pandemia com a do
governo e estreitou as relações com a família do presidente.
O campinho
de futebol da casa do governador em Brasília passou a ser frequentado pelos
filhos de Bolsonaro. Um deles, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), é
alvo do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios por um empréstimo
do Banco de Brasília, instituição ligada ao governo distrital, para compra de
uma mansão de R$ 6 milhões.
O Ministério
do Desenvolvimento Regional tem afirmado que a prerrogativa de indicar recursos
da emenda é do Congresso. Mas um documento da própria pasta é claro ao apontar
quem geriu a verba. "A descentralização de créditos à Codevasf
proporcionará apoio à infraestrutura produtiva e o fomento à sustentabilidade
local em municípios localizados em sua área de atuação no Estado do Piauí.
Trata-se de recurso proveniente da emenda de relator e indicado pelo governador
do Distrito Federal, Sr. Ibaneis Rocha", diz o ofício, assinado em 20 de
junho de 2020.
A atenção
que Ibaneis dedica ao Piauí rendeu-lhe problemas com a Justiça. Já com a
pandemia de covid-19 causando mortes e prejuízos no Brasil e no DF, o
governador doou 22 mil máscaras a Corrente.
O processo
de liberação de recursos do orçamento secreto para Ibaneis coincide com uma
mudança radical da posição do governador em relação à política de combate à
covid-19. Depois de ser um dos primeiros do País a fechar escolas e comércio,
ele, em um período de três meses, mudou de discurso, alinhou-se a Bolsonaro e
disse que "restrições" não servem para nada. Na época, não se sabia
que, três dias antes, o ministério havia autorizado a execução da
"cota" do governador no esquema do orçamento secreto.
Fonte: Correio Braziliense
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