Em meio à
pandemia do coronavírus, obras inacabadas de quatro unidades básicas de saúde
(UBS) aumentam a desolação de centenas de quilombolas em Cavalcante, no
nordeste do estado. Boa parte da população do município é de kalungas,
afrodescendentes que vivem na região desde o século 19.
A
precariedade da região aumenta com a falta de saneamento básico, agravando o
desamparo dos povos tradicionais que não recebem mais auxílio emergencial e,
dia a dia, lutam para ter o que comer, conforme mostrou a matéria anterior.
No meio da
paisagem bucólica, ruínas de obras de postos de saúde abandonadas e desgastadas
pelo tempo saltam aos olhos, nos quilombos São Domingos, a 60 quilômetros do
centro de Cavalcante, e Kalunga Engenho 2, a 26 quilômetros da região central.
“Na
comunidade não tem posto de saúde. Tem um pequeno elefante branco que começou a
ser construído pelo município, em 2012, e foi abandonado totalmente”, conta o
presidente da Associação Quilombola Kalunga São Domingos, Moisés da Costa.
Diante da
gravidade da situação, segundo o promotor de Justiça Márcio Villas Boas, o
Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) instaurou inquérito civil público,
em 2018, para apurar a paralisação das obras de postos de saúde.
Em
andamento, as investigações têm como alvo o abandono das obras de reforma de
três unidades de saúde – duas na cidade e uma no povoado Engenho – e de
construção da UBS no quilombo São Domingos. Estão abandonadas há quase 10 anos.
Nesta última
obra, o município recebeu R$ 326,4 mil em dois repasses do Ministério da Saúde,
como informou a pasta, mas ela nunca foi entregue à população. A verba serviu
apenas para aumentar o assustador cemitério de obras inacabadas.
O valor foi
transferido para o Fundo Municipal de Saúde de Cavalcante, que, em tese, teria
repassado a verba à empresa responsável pela obra. A reportagem não localizou
representantes dela.
O Ministério
da Saúde cancelou, em janeiro de 2019, proposta referente à construção da
unidade de São Domingos por causa do não cumprimento dos prazos estabelecidos
na legislação. A informação foi repassada pelo Ministério Público.
Até o momento,
de acordo com o promotor, o MPGO ainda não recebeu respostas do órgão federal
sobre outras medidas adotadas. Ao portal, o Ministério da Saúde informou que,
em 2020, diante da pandemia, o Departamento de Saúde da Família não publicou
portarias de cancelamento das propostas habilitadas no ano de 2013.
Caso sejam
confirmadas irregularidades, prefeitos anteriores poderão ser
responsabilizados, e o município deve ser obrigado a devolver o dinheiro. “A
investigação encontra-se em andamento com o objetivo de apurar os responsáveis
pelo cancelamento da proposta”, afirma o promotor de Justiça.
Pandemia
no escuro
Os reflexos
do caos na saúde são ainda maiores nos quilombos porque a maioria não tem água
potável e uma parte nem conta com energia elétrica nem geladeira para conservar
alimentos. “Aqui, a pandemia é no escuro, sem energia elétrica”, conta o
quilombola Moisés. “Dá para contar as pessoas que têm geladeira no povoado. É
coisa de nego (sic) rico”, diz.
À noite,
alguns quilombos ficam apenas com a luz de vela ou de lamparina, em meio a uma
paisagem de muito mato e longas ruas de chão com casas distantes uma da outra.
A Enel,
responsável pela distribuição de energia elétrica em Goiás, está concluindo a
instalação dos fios para contemplar todas as famílias, em diferentes povoados.
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