Movimento na Chapada dos Veadeiros cai após queimadas e comunidade faz apelo: belezas ainda aguardam turistas
Em meio ao
cinza das queimadas, o verde da grama insistente dá um tom de esperança. Na
estrada de terra, poucos turistas, alguns moradores e muitos comerciantes
caminham pela pequena cidade. São 700 habitantes na Vila de São Jorge,
localizada a 20 minutos de Alto Paraíso de Goiás.
Depois de um
mês do início dos incêndios no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o
cerrado mostra sua força e ressurge das cinzas como fênix. A vida começa a
ressurgir através de folhas, flores e da água das cachoeiras e rios do parque.
Quase três
anos após o turismo crescer na região com o asfaltamento na estrada até São
Jorge, agora, o principal fator econômico da vila entra em queda. O turismo era
o mais importante meio de sobrevivência de muita gente da vila. Por isso,
pousadas, restaurantes e lojas também sentiram o impacto do fogo.
Os
pousadeiros reclamam. “Ano passado, nos feriados de novembro, a pousada estava
com 90% de ocupação. Este ano, no feriado de Finados, tínhamos dois quartos
ocupados. No feriado do dia 15, eram apenas três casais. Foram 15 cancelamentos
para o dia 2 e 11 para o dia 15 de novembro, e a justificativa é sempre a
queimada, mas na verdade está tudo verde”, diz Giovani Tokarski, presidente da
associação de empresários de São Jorge (Ajor) e dona da pousada Cristais da
Terra.
Segundo ela,
cerca de 80% das reservas nas pousadas da cidade foram canceladas após os
incêndios. “Meu marido é guia há 20 anos e eu mesma presenciei pessoas ligando
para cancelar passeios de Réveillon por aqui”, completa a vendedora Cecília
Poyart, de 38 anos.
Plano mantido
Esse não foi
o caso de Carolina Oba e João Costa. O casal viajou de São Paulo até a Vila de
São Jorge para conhecer o local pela primeira vez no feriado da Proclamação da
República. Segundo eles, o passeio estava agendado há aproximadamente dois
meses, ou seja, antes de os incêndios começarem. Os paulistas quase desistiram,
mas “ao perceber que o fogo havia acabado, ficamos tranquilos e decidimos
continuar com nosso plano de conhecer o local”, afirma Carolina.
Eles fizeram
a trilha do Parque Nacional e garantem que valeu a pena. “Tudo continua lindo,
o fogo não prejudicou a beleza do lugar. É um passeio que queremos fazer de
novo e vamos recomendar para nossos amigos”, conclui a moça.
Nos 5 km de
trilha para chegar à Cachoeira no Parque Nacional, apenas aproximadamente 400
metros foram atingidos pelo fogo das queimadas. E, mesmo assim, 20 dias após o
fim do incêndio, já é possível observar novas plantas brotando no solo do
cerrado. As cachoeiras continuam encantando quem passa por lá, e a energia e a
mística do local também são atrativos.
Vocação se torna principal fonte
econômica
O Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros foi instituído em 1971 como estratégia
geopolítica para proteger o ponto mais alto do planalto central: o Distrito
Federal. Antes, a Vila de São Jorge era um grande garimpo de cristal, já que
está acima de uma placa cristalina. Os cristais eram também a principal fonte
econômica da região. Hoje, o turismo assumiu esse papel.
Funcionária
de uma loja de produtos de beleza naturais, Cecília Poyart conta que sentiu um
impacto nas vendas. Para ela, o grande problema está na forma como trataram as
queimadas na mídia. “Mostraram o fogo, se mobilizaram pelas redes sociais para
ajudar o parque, mas, quando o fogo acabou, não houve a mesma divulgação.
Pediu-se ajuda e depois não houve comemoração”, relata.
O que a
Associação de Empresários de São Jorge quer mostrar é que as atrações naturais
não foram prejudicadas. E é verdade. A reportagem do JBr. esteve no local e
constatou a permanência da beleza das cachoeiras do parque, nas águas termais
de Colinas do Sul e nas pedras do Vale da Lua.
Mesmo assim,
a associação pede conscientização sobre o meio ambiente. “Infelizmente tem
agricultores que acham que precisa queimar o pasto seco para voltar com
rapidez. Mas não sabem o mal que estão fazendo, porque o solo vai se
degradando”, explica Giovani.
Mas a Vila
de São Jorge não se resume à belíssima natureza. Um aconchegante restaurante,
localizado ao final de um caminho de terra – como todas as ruas da cidade –
iluminado por luzes de velas, é uma das atrações da vila. O proprietário
Alexandre Cardoso abre a Risoteria Santo Cerrado às 17h, na hora do pôr-do-sol,
e recebe seus clientes – a maioria de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de
Janeiro, Brasília e Goiânia – com música ao vivo.
Segundo
Alexandre, o impacto das queimadas no restaurante foi uma queda de 60% da
clientela, comparável ao surto de febre amarela na região, no início de 2000.
Ele conta que até para a comemoração de Ano Novo a procura está baixa.
“Geralmente em novembro nós já estamos com as reservas dos pacotes esgotadas.
Este ano, ainda não conseguimos vender nossos pacotes”, completa. Para um
casal, o pacote com entrada, prato principal, sobremesa – e champanhe – sem
fogos, para não atrapalhar os passarinhos, custa R$ 580.
No último
dia de estadia, o casal paulista Carolina e João descobriu o caminho para o
Santo Cerrado. “Ficamos encantados com o ambiente, superou nossas expectativas.
É mais um atrativo além das belezas naturais”, declara João.
Fogo também traz a chance de
renovação
De acordo
com João di Trindade, guia turístico e antropólogo, 56 anos, o fogo é
revigorante. Ele vê as queimadas como a possibilidade de renovação, o começo de
algo novo. Não esconde seu amor pelo bioma que escolheu chamar de lar. “Meus
olhos são enamorados pelo cerrado”, declara. Ele chegou a São Jorge no ano de
1988, com outros 22 estudantes de antropologia da Universidade de Brasília. Na
vila, eles compraram uma residência – a casa da UnB, que foi o marco da
transição de uma vila de mineração de cristal para uma vila turística.
“Em São
Jorge, a gente encontra um tipo de liberdade que não existe em outros locais”,
afirma o guia turístico. Na vila, considerada parte do município de Alto
Paraíso de Goiás, não se vê polícia na rua com frequência, nem muros altos
entres as casas ou grades separando os vizinhos. Todos se conhecem e se
respeitam. “A partir do momento que todo mundo se conhece, a liberdade não
precisa ser restringida”, finaliza.
Todos que
conversaram com a reportagem foram unânimes ao dizer que o cerrado precisa do
fogo para continuar vivo. Não da forma como ocorreu no mês passado, provocado
por mãos humanas. “O Cerrado queima para reviver. Este ano até fizeram um
projeto de queimada controlada no Parque Nacional, em áreas que já fazia tempo
que não queimava”, conta a vendedora Cecília. Ela acredita que a intenção de
quem causou os incêndios era prejudicar, principalmente “em represália por
causa da ampliação do Parque”.
A vegetação
do cerrado, que forma toda a Chapada dos Veadeiros, é resistente. Consegue se
recuperar rápido. As queimadas de outubro destruíram 28% da vegetação do Parque
Nacional e reduziu às cinzas também o turismo na região. As duas fontes de vida
da Chapada e de seus arredores se esgotaram. Mas há grama nascendo em meio às
cinzas. A natureza mostra sua força e vidas novas estão brotando. A Chapada dos
Veadeiros resiste.
Fonte: Jornal
de Brasília
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