Expulsão da
cidade e até ameaças de morte se juntaram às denúncias contra os religiosos
acusados de desviar mais de R$ 2 milhões dos cofres das 33 paróquias vinculadas
à Diocese de Formosa (GO).
As acusações
partiram do advogado Vilton Gonzaga, ouvido como testemunha de acusação, em
audiência que investiga os sacerdotes da região, na manhã de ontem. Ele colheu
as queixas dos fiéis e elaborou a representação que resultou na Operação
Caifás, deflagrada em 19 de março pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), com
a prisão de nove dos 11 suspeitos, entre eles, o bispo de formosa dom José
Ronaldo Ribeiro, que renunciou ao cargo na quarta-feira. O papa Francisco
acatou o pedido.
Ao juiz
Fernando Oliveira Samuel, Vilton contou que os fiéis da Igreja Católica em
Formosa e cidades vizinhas o procuraram em novembro de 2017, com uma série de
denúncias contra o bispo e outros religiosos da região. “Quando eles chegaram
até mim, me falaram que estavam com medo até de serem mortos”, destacou o
advogado. De acordo com ele, os frequentadores dos templos decidiram procurá-lo
após constatarem o crescimento dos gastos da casa pentecostal em Formosa e um
suposto desvio de verbas das paróquias, após o aumento das taxas de serviços
aumentarem até 400%.
Por medo, os
autores da denúncia não tiveram a identidade revelada nem em juízo. O advogado
relatou que as ameaças eram frequentes e que o até então bispo de Formosa teria
obrigado um dos fiéis a se mudar da cidade, a 70km de Brasília, quando ele
percebeu o uso indevido de um cartão de crédito por parte de dom José Ronaldo.
“Essa pessoa viu que havia compras irregulares em nome da Cúria e procurou a
Delegacia de Polícia. Quando o bispo ficou sabendo, pediu para que ele
retirasse a denúncia e saísse da região”, contou Vilton.
O advogado
destacou também o livro caixa da Cúria Diocesana. De acordo com ele, o contador
à frente do livro contábil constatou irregularidades na entrada e na saída de
dinheiro e o consultou. “Eu falei para ele que isso é considerado crime. Todo
dinheiro que entra e sai precisa ter uma justificativa”, lembrou a testemunha.
Em seguida, o advogado informou que esse contador teria informado ao bispo
sobre as irregularidades e ele teria mandado fechar os relatórios financeiros
mesmo com as falhas na prestação de contas.
A testemunha
expôs outra suposta forma de desvio realizadas pelos religiosos. De acordo com
ele, eles ficavam com o dinheiro das taxas da crisma. “O dinheiro que os jovens
pagavam para fazer o sacramento estava sendo embolsado. Isso contabiliza de R$
70 mil a R$ 80 mil ao ano”, afirmou Vilton. Segundo o advogado, essa verba
deveria ser destinada a projetos sociais promovidos pela Diocese, o que não
acontecia mais. “As ações para a população estavam defasadas. Algumas acabaram
e outras perderam o ritmo”, disse.
Na manhã de
ontem, o juiz interrogaria outra testemunha de acusação, o padre Darci Neres da
Rocha. No entanto, a defesa alegou que ele não poderia ser ouvido porque o
Ministério Público teria apresentado o depoimento dele incompleto durante os
primeiros depoimentos. Sem oposição do MPGO, o juiz acatou o pedido e dispensou
o padre do depoimento.
Justiça Eclesiástica
Para embasar
a defesa, os advogados dos réus escolheram o discurso da Justiça Eclesiástica
para conduzir o interrogatório de Vilton. Durante diversos momentos da
audiência, eles ressaltaram o estatuto da Igreja Católica, que prevê os bispos
à frente das finanças. Como a testemunha também é advogada, os defensores o
acusaram de cometer falta disciplinar. Porém, o juiz indeferiu o pedido e não
encaminhou o caso à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Por ser
membro da Igreja, Vilton justificou que, após entregar a denúncia ao Ministério
Público, ele teria se tornado colaborador do grupo de pessoas que encaminhou a
representação ao órgão. “Sou filho de Formosa e sempre fui ligado à religião
Católica. Quando fiquei sabendo do caso, não pude deixar de lado”, ressaltou.
De acordo com ele, após a gestão de dom José, as igrejas passaram a ficar até
sem manutenção.
Denúncia reforçada
Um dos
promotores à frente da operação, Douglas Chegury considerou a audiência
positiva, apesar da ausência da outra testemunha. “Com o depoimento dos
clérigos, nosso objetivo era captar a visibilidade dos sacerdotes. Em relação
ao fiel, queríamos cativar os fiéis acerca do caso”, comentou. De acordo com
ele, a audiência de ontem reforçou a denúncia, tanto por parte da testemunha
quanto até mesmo da defesa.
O advogado
Bruno Espineira Lemos, integrante do grupo de defensores dos réus, afirmou que
a defesa se limitará a comentar o caso apenas nos autos do processo. “Estamos
preocupados com evidentes vidas humanas que estão injustamente colocadas na
miséria do processo penal. A gente segue nessa luta árdua em busca do resgate
das vidas que estão sendo perdidas”, garantiu.
A próxima
audiência está marcada para 11 de outubro, em Formosa. Nessa sessão, serão
ouvidas 30 testemunhas de defesa. O promotor Douglas explica que essa etapa
deve ocorrer de forma mais rápida. Segundo ele, a expectativa é de que a
sentença seja arbitrada ainda este ano.
Bispo interventor
Após as
acusações contra dom José Ronaldo virem à tona, o papa Francisco nomeou o
arcebispo de Uberaba (MG), dom Paulo Mendes Peixoto, para assumir a
administração da Diocese de Formosa. O sacerdote está à frente do município
goiano durante todo o trâmite judicial da Operação Caifás.
Fonte:
Correio Braziliense
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