Vilmar
Kalunga (PSB), de 40 anos, é um dos 1.732 prefeitos eleitos no primeiro turno
das eleições municipais que se autodeclararam pretos ou pardos — 32,1% do
total, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele vai administrar o
município de Cavalcante (GO), que abriga o maior quilombo do Brasil em extensão
territorial, o Kalunga.
Vilmar também
foi o único prefeito eleito, neste ano, autodeclarado quilombola, conforme a
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
(Conaq). Apesar da conquista nas urnas, ele disse que sua própria história é
exemplo da falta de espaço para os negros na política.
“Se você
levar em consideração um município como o meu, aqui, em que 80% da população é
negra, e a gente está tendo uma oportunidade só, agora, depois de 189 anos,
então, tem alguma coisa aí que não está certa”, argumentou, em entrevista ao
Correio. “Eu acredito que é preciso mudar bastante em relação a isso, porque
acredito que a cor da pele não pode separar as pessoas.”
A mudança,
porém, parece distante. O índice de 32,1% de prefeitos eleitos que se
declararam negros, neste ano, representa, sim, um aumento em relação a 2016,
quando o percentual era de 29,2%, segundo o TSE, mas a proporção continua muito
baixa, considerando-se que mais da metade da população brasileira (56,2%) é
negra.
Vilmar
Kalunga disse que pretende fazer a parte dele, na administração de Cavalcante.
“Nossa prioridade é trabalhar por igualdade, é melhorar a saúde, que é precária
demais, muito precária, nosso povo sofre bastante, pela dificuldade de acesso”,
destacou. “Há comunidade, aqui, que tem 425 famílias, mais de duas mil pessoas
morando longe da cidade, é muito grande o município. É o terceiro maior do
estado de Goiás”, comentou o prefeito eleito.
“Temos
prioridade, também, na questão de estradas, há muitas pessoas isoladas ainda. A
questão dos produtores, da educação, também precisam melhorar, buscar renda
para os nossos jovens. Muitos deles saem e não voltam. O meu sonho é que o
nosso povo possa realizar seus sonhos aqui, também.”
Servidor
público municipal de carreira, Vilmar Kalunga tem licenciatura em educação no
campo, pela Universidade de Brasília (UnB). É pós-graduado em ciências da
natureza e em matemática, também pela instituição brasiliense. Foi eleito por
duas vezes presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK), que tem abrangência
em Cavalcante, Teresina e Monte Alegre.
Em 2016, o
quilombola foi candidato a vice-prefeito de Cavalcante, mas a chapa dele ficou
em segundo lugar. Para o pleito deste ano, o município teve oito candidatos a
prefeito num colégio eleitoral de menos de três mil eleitores. A cidade tem uma
população de 9.392 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
A
Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) fez um
levantamento dos candidatos quilombolas eleitos em todo o país e concluiu que
Vilmar foi o único escolhido para o cargo de prefeito. Além dele, segundo a
organização, foram bem-sucedidos nas urnas um vice-prefeito e 56 vereadores
quilombolas. Ainda conforme a Conaq, o futuro administrador de Cavalcante é o
segundo prefeito quilombola da história do Brasil. Antes, em 2012, Darcira foi
eleita prefeita de Açucena (MG) e, depois, reeleita em 2016.
Nada a
comemorar
Sobre a
passagem do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, Vilmar lamentou não ter o
que comemorar, especialmente depois do brutal assassinato de João Alberto
Silveira Freitas, um homem negro, de 40 anos, espancado até a morte, na noite
de quinta-feira, por dois homens brancos, num supermercado da rede Carrefour,
em Porto Alegre.
“Não tenho
nem palavras para dizer. Isso aí é uma falta de humanismo, as pessoas não têm
coração. Matar uma pessoa por causa da cor da pele. Nós somos iguais. E ainda
tem gente que diz que não existe racismo. É só olhar as estatísticas para ver
que tem. Quem mais morre nas favelas, nas cidades grandes? Pode olhar que são
os negros. Quem a polícia aborda mais? Os negros sofrem preconceito todos os
dias”, afirmou. “Hoje (ontem), é 20 de novembro. Seria um dia para a gente
comemorar direitos conquistados, mas, infelizmente, ainda não é possível.”
Fonte: Correio Braziliense
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