Chapada dos Veadeiros: Pesquisa grava sons para descobrir mistérios do Cerrado, que tem recorde de estudos
Mais de seis
mil horas de áudio gravadas, quatro terabytes de dados e a colaboração de quase
20 pessoas. Tais foram os números envolvidos em uma etapa da pesquisa que o
cientista Ivan Campos, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), está desenvolvendo em doutorado na
Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, com o título “Escutando a natureza:
uma abordagem acústica passiva para o monitoramento de biodiversidade em
Unidades de Conservação”.
Como sugere
o nome, o estudo testa a aplicabilidade dos sons da natureza em análises sobre
a biodiversidade. Entre abril e agosto, Campos gravou e percorreu a “paisagem
sonora” de quatro parques nacionais: Chapada dos Veadeiros (GO), Serra da
Bodoquena (MS), Serra do Cipó (MG) e Brasília (DF).
A pesquisa
foi um dos 467 projetos científicos cadastrados, de 2008 a 2016, no Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros, que hoje protege 65 mil hectares do bioma
Cerrado — mas está aguardando a avaliação dos governos estadual e federal sobre
um decreto que deve ampliar a reserva.
A tendência
é que o número de pesquisas se multiplique nos próximos anos: se em 2008 foram
14 registros de estudos no parque, em 2015 houve recorde, com 136 pesquisas
contabilizadas.
Com no
mínimo quatro gravadores por parque, cedidos pelo Laboratório de Bioacústica da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Campos capta sons
em amostragens de minutos, horas e até dias.
— Quero
entender se a paisagem sonora pode ser uma tecnologia para medir a
biodiversidade — afirma Campos, lembrando que o método não é invasivo e,
portanto, a ausência do pesquisador em campo contribui para que o comportamento
das espécies não seja perturbado.
Segundo o
pesquisador, a metodologia é bastante nova e promissora:
— Para
algumas espécies, pretendo desenvolver um modelo de identificação automática.
Uma delas é o lobo-guará. Temos poucos dados relativos a essa espécie — explica
o analista ambiental. — A cada dia surge uma coisa nova na bioacústica. Não
temos ainda métodos totalmente estabelecidos, mas acredito que as gravações de
hoje poderão ser úteis no futuro para diversos tipos de análise.
Centro da UnB espera sede
A presença
da comunidade científica no Parque da Chapada dos Veadeiros pode ganhar um novo
boom com a abertura da sede do Centro de Estudos do Cerrado da Universidade de
Brasília (UnB), pronta há pelo menos um ano, mas ainda à espera da conclusão de
licitações de serviços. Há até uma petição on-line no site “Avaaz” que pede a
“ativação e ocupação” do centro de estudos, com mais de 500 assinaturas.
A sede do
parque, na cidade de Alto Paraíso de Goiás, no entorno da reserva, deve receber
cursos de verão, especialização, graduação semipresencial e até um mestrado
internacional. O professor André de Almeida Cunha, do Departamento de Ecologia
da UnB e vice-diretor do centro, espera que algumas aulas já comecem a ser
oferecidas em janeiro e aponta para um “potencial gigantesco” do Cerrado para o
conhecimento científico.
— Os campos
avançados são uma vanguarda da pesquisa mundial, das Ciências Exatas às
Sociais. Ter o centro na Chapada dos Veadeiros coloca a universidade fazendo
pesquisa aplicada, possibilitando descobrir formas de a academia contribuir no
mundo real — analisa Cunha.
Dentre as
467 pesquisas cadastradas no parque entre 2008 e 2016, originadas em 38
instituições, 83% se concentraram em linhas de estudo relacionadas à flora e
5%, ligadas à fauna. Há ainda estudos na área de Turismo, Química, Ciências
Sociais, entre outros campos.
O biólogo
Reuber Brandão, da UnB, faz pesquisas há anos no parque e já descreveu 11
espécies de anfíbios do Cerrado — atualmente, há mais quatro no caminho. Para
ele, as particularidades do bioma exigem um olhar atento — inclusive dos
pesquisadores.
— O Cerrado
por muito tempo foi considerado o patinho feio da biodiversidade brasileira,
frente à Mata Atlântica, que encantou Darwin e Saint Hilaire, ou da Amazônia,
que recebeu a expedição de Jacques-Cousteau. Mas a biodiversidade do Cerrado
precisa de atenção para ser descoberta — acredita Brandão.
Ampliação em trâmite
Segundo o
biólogo, enquanto a ciência está descobrindo o potencial do bioma para a
pesquisa — não só em Veadeiros, mas em outros pontos como a região do Jalapão e
a Serra do Espinhaço —, há em paralelo a preocupação com a devastação do
Cerrado, sendo essencial a preservação deste ecossistema.
Uma proposta
do ICMBio para a ampliação do Parque da Chapada dos Veadeiros via decreto
federal está sendo negociada por diferentes esferas do Poder Executivo e da
sociedade civil. No fim de novembro, o governo goiano apresentou um plano de
ampliação para 155 mil hectares, área menor do que o projeto inicial do ICMBio,
que prevê 242 mil hectares.
A proposta
do estado não foi bem recebida por ambientalistas, que ressaltam
descontinuidades no mapa proposto e insuficiência na área protegida.
— É
impossível fazer a conservação de biodiversidade sem áreas protegidas. No contexto
do Cerrado, isso é urgente. Não existe, no momento, nada mais importante para a
conservação do Cerrado do que a ampliação do Parque da Chapada dos Veadeiros —
resume Brandão.
Fonte: Extra
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