Na rodovia
GO-118, que liga Brasília a Alto Paraíso de Goiás, a paisagem denuncia o avanço
do agronegócio sobre o Cerrado, com lavouras de soja que alcançam a linha do
horizonte.
A região,
uma das últimas fronteiras agrícolas de Goiás, abriga uma das mais importante
formações do bioma, a Chapada dos Veadeiros, reconhecida em 2001 como
Patrimônio Natural da Humanidade.
Às vésperas
de completar 56 anos, o parque nacional criado para proteger a Chapada dos
Veadeiros enfrenta um impasse para ampliar sua área de abrangência, que pode
garantir a sobrevivência de quase 50 espécies ameaçadas de extinção e preservar
formações do Cerrado até agora sem nenhuma proteção, como as matas secas.
Criado em
1961 com 625 mil hectares, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros sofreu
sucessivas reduções de tamanho, até chegar aos 65 mil hectares atuais, cerca de
10% da área original. Em 2001, a ampliação para 240 mil hectares chegou a ser
decretada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas foi derrubada pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) por falhas no processo e pela não realização de
audiências públicas, previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza (SNUC), que entrou em vigor em 2000.
Agora, uma
nova chance de rever a redução da área preservada esbarra em um impasse como o
governo de Goiás, que precisa dar o aval para a ampliação da unidade pela
União.
“O Cerrado
vem perdendo rapidamente sua cobertura vegetal. Proteger essas novas áreas na
Chapada e integrá-las ao parque vai ajudar a segurar o futuro desse bioma. O
momento é de seguir adiante e garantir esse último naco de Cerrado do Brasil
Central”, defende o professor e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB)
Reuber Brandão, que considera a ampliação do parque uma “escolha civilizatória”
O chefe do
parque, o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) Fernando Tatagiba, lista os riscos da desfiguração da
abrangência da unidade federal.
“O que está
em jogo é a conservação de uma área de extrema relevância para a preservação da
biodiversidade. O que está em jogo é a proteção de um ecossistema que hoje não
está protegido pelos limites atuais do parque, e está em jogo o estabelecimento
de uma extensão para o parque nacional que é adequada para a conservação de
espécies de fauna e flora ameaçadas de extinção.”
Proposta de
ampliação
Após um
processo que levou mais de cinco anos, entre a realização de estudos, consultorias,
audiências e negociação política, o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade – responsável pela gestão das unidades de conservação federais –
chegou a uma proposta que aumenta o parque dos Veadeiros de 65 mil hectares
para 222 mil hectares, em área contígua, garantindo a implantação de corredores
ecológicos e a manutenção do habitat de grandes mamíferos, como a anta e a
onça-pintada, que precisam de grandes extensões.
No começo de
novembro, a proposta foi repassada a representantes dos governos federal, de
Goiás e do município de Alto Paraíso, de entidades ligadas ao agronegócio e da
sociedade civil. O texto do decreto de ampliação está inclusive pronto na Casa
Civil para ser assinado pelo presidente Michel Temer.
“Sentaram em
volta da mesma mesa o governo do estado, produtores, a prefeitura de Alto
Paraíso de Goiás, o Ministério do Meio Ambiente e a sociedade civil e acharam
essa proposta aceitável do ponto de vista da conservação e do ponto de vista do
interesse das pessoas que habitam a região”, conta Tatagiba.
No entanto,
no dia 29 de novembro, a Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos,
Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos de Goiás (Secima) divulgou
uma contraproposta do governo estadual que exclui da ampliação do Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros todas as terras que ainda dependem de
regularização fundiária, ou seja, onde não há título de propriedade. Sem essas
áreas, apenas 90 mil hectares poderiam ser anexados ao parque, em um desenho
descontínuo, com buracos na unidade de conservação.
Peneira
Representante
do governo, o secretário-executivo do Conselho Estadual de Meio Ambiente de
Goiás, Rogério Rocha, reconhece que a contraproposta faz a área de expansão do
parque “parecer uma peneira” por causa dos espaços das terras devolutas (sem
titulação). “Não é agradável de se ver, mas tem um motivo”, justifica.
O principal
argumento é que a desapropriação das áreas pela União nas terras não tituladas
vai prejudicar as famílias que vivem na faixa a ser anexada. Sem título de
propriedade, os posseiros não têm direito a indenização pela terra, apenas
pelas benfeitorias, como sede das fazendas, currais e demais estruturas.
“Na verdade,
nós concordamos com 100% da proposta original feita pelo ICMBio e pelo Ministério
do Meio Ambiente. A questão é que vamos precisar de tempos diferentes para a
concretização. Nós propomos, de imediato, a expansão em 90 mil hectares e os
outros 68 mil hectares após o final da regularização fundiária”, argumenta.
Segundo
Rocha, das cerca de 500 propriedades da área de provável expansão do parque,
230 não têm posse definitiva, a maioria de pequenos produtores.
Ambientalistas,
no entanto, apontam que interesses de grandes proprietários rurais e até do
setor da mineração orientaram a contraproposta estadual para a ampliação dos
Veadeiros. O governo goiano nega
“Nossa
proposta desagrada o governo federal, que queria 100% da ampliação, e os
grandes produtores da região, que querem manter o seu direito a propriedade privada.
Só que ela respalda o pequeno. Essas 230 famílias são pequenos produtores, de
subsistência, que vivem dessa terra para existir, não têm essa terra lá pra
especular. Diferentemente de grandes produtores, que estão fazendo lobby para
que a expansão do parque não aconteça”, rebate o secretário executivo.
A
contraproposta do governo goiano também não agradou o agronegócio do estado. O
vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura e
Pecuária de Goiás (Faeg), Marcelo Lessa, diz que a alternativa apenas ameniza
os prejuízos dos produtores com a nova demarcação. “Nossa preocupação é
justamente com o direito de propriedade dos proprietários rurais que estão
inseridos na área de ampliação. Em nenhum momento a federação se posicionou contrária
à ampliação, mas tem que haver segurança jurídica”.
Para a Faeg,
a eventual ampliação do parque nacional deveria se feita em etapas. “Primeiro,
regularizar as propriedades; segundo, estudar essas áreas de ampliação com uma
espécie de zoneamento e depois abrir um ato voluntário para criação de RPPNs
[Reserva Particular do Patrimônio Natural] e em último momento usar o poder de
desapropriar para ampliar”, sugere.
Biólogo de
formação, o representante da Faeg diz que o debate sobre a ampliação da área
protegida dos Veadeiros é maniqueísta e coloca o agricultor como vilão. “Tem
que parar com essa polarização entre ruralistas e ambientalistas. Em nenhum
momento a gente foi contra a proposta, mas quando a gente fala na ampliação do
parque, a discussão é muito polarizada. Já chegaram a dizer que a ampliação
afetaria apenas quatro famílias, um dado absurdo, na verdade são 516.”
Mais prazo
De acordo
com Rogério Rocha, do governo estadual, a estimativa é que a regularização
fundiária pendente na região de ampliação do parque leve de sete a oito meses
para ser concluída e, em seguida, Goiás dará a anuência para que a União leve a
cabo a proposta original de dar à unidade de conservação os 222 mil hectares
propostos inicialmente.
“Não estou
falando de 20 ou 30 anos para a frente. Estou falando de sete meses, é um prazo
muito curto. A ampliação para 90 mil hectares já está autorizada agora, mais 68
mil [hectares] daqui a sete ou oito meses. A empresa que fará o
georreferenciamento será contratada por pregão agora em dezembro, em janeiro
ela já está trabalhando, em 40 dias termina os estudos, aí nós vamos ter até
julho para fazer todo o processo burocrático, passar pela Procuradoria-Geral do
Estado para fazer a titulação”, prevê.
“Enquanto se
discute mais esse tempo, tem áreas sendo desmatadas agora. Enquanto o parque
não existe, há inclusive autorização para desmatamento legal. Qualquer prazo é
demais porque deixa a vegetação fragilizada”, disse à Agência Brasil uma fonte
do governo federal.
A coalização
de organizações ambientalistas que defende a ampliação imediata do parque no
formato integral também não concorda com o adiamento e vai fortalecer a
mobilização pela proposta original do ICMBio. “A Coalizão Pró-UCs continuará
aportando todo o conhecimento disponível para que Goiás tome uma decisão que
leve em conta a conservação da biodiversidade e não apenas critérios
fundiários. Precisamos de limites que façam sentido do ponto de vista ecológico
e de gestão”, ressalta a coordenadora do Programa de Ciências do WWF Brasil,
Mariana Napolitano.
O
agronegócio também pretende se mobilizar e promete ir a Brasília, por meio da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), para pressionar o
Ministério do Meio Ambiente a flexibilizar a demarcação da nova área do parque.
O impasse
deve durar pelo menos até a volta ao Brasil do ministro do Meio Ambiente,
Sarney Filho, que participa, em Cancún (México), da Conferência das Partes da
Biodiversidade, que discute justamente estratégias para proteção do patrimônio
natural do planeta. A reunião termina no dia 17 de dezembro.
Segundo o
chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Fernando Tatagiba, a demora
em devolver ao parque a área considerada pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no reconhecimento da região
como Patrimônio Natural da Humanidade pode levar a entidade a colocar o título
em risco, expondo o Brasil a um constrangimento internacional.
Fonte:
Agência Brasil
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