A análise
detalhada das prestações de contas entregues à Justiça Eleitoral mostra que no
ano passado vários partidos mantiveram a prática de usar verba pública não só
para remunerar seus dirigentes, mas também empresas ligadas a eles, amigos,
parentes e políticos que fracassaram nas urnas.
Ao todo, R$
937 milhões foram gastos em 2019, sendo a maior parte dinheiro público —essa
fatia, em torno de 90% do total, foi distribuída às legendas na proporção do
desempenho que elas tiveram nas últimas eleições para deputado federal.
Responsável
por uma das maiores cotas, o PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu
presidente da República, tem na sua lista de pagamentos funcionárias indiciadas
pela Polícia Federal sob suspeita de terem sido candidatas laranja nas eleições
de 2018, citados na investigação das “rachadinhas” da Assembleia do Rio de
Janeiro e até um amigo de Bolsonaro, que nunca exerceu atividade política
partidária.
O PSL,
comandado pelo deputado federal Luciano Bivar (PE), também pagou mais de R$ 11
mil por mês à mulher do deputado Nereu Crispim (RS), Carolina Lomba. Bolsonaro
abandonou a sigla no final do ano passado e tenta criar sua própria legenda, a
Aliança pelo Brasil.
Como a Folha
mostrou em fevereiro, após o partido multiplicar o recebimento de verbas devido
ao sucesso eleitoral de Bolsonaro, houve registro de gastos com carros,
restaurante e mobiliário de luxo, entre outras despesas.
O PT, maior
partido de oposição a Bolsonaro, é o que mais recebe dinheiro do fundo pelo
fato de ter obtido o maior número de votos nas eleições para a Câmara em 2018.
Um dos maiores fornecedores contratados pelo partido é a Urissanê Comunicação,
que recebeu R$ 5,5 milhões em 2019.
A empresa é
de Otavio Augusto Antunes da Silva, que disputou eleições pelo partido em 2000
e 2004 e foi assessor parlamentar da sigla na Assembleia Legislativa de São
Paulo de 2005 a 2016.
Quando se
direciona a lupa para partidos médios e menores, observa-se prática similar ou
em grau até superior.
O DC, do
ex-candidato à Presidência José Maria Eymael, pagou salário não só a ele (R$
109 mil em todo o ano), como direcionou R$ 45 mil ao Centro Automotivo Caminho
Certo, que tem ele e familiares como sócios.
Já o PTB de
Roberto Jefferson, um dos mais entusiastas apoiadores de Bolsonaro atualmente,
destinou no ano passado cerca de R$ 300 mil ao dirigente, a título de prestação
de serviços técnicos e profissionais.
O PROS, que
é alvo de investigação sob suspeita de desvio de recursos, também é um exemplo
de mistura de público e privado. O fundador da sigla, Eurípedes Jr., parentes,
amigos e até o piloto do helicóptero que a legenda comprou com verba do fundo
partidário ganham salário do partido.
Há casos de
duas mulheres de políticos da legenda recebendo R$ 5.000 por mês, além do caso
da ex-governadora do Rio de Janeiro Rosinha Garotinho. Ela, que hoje tem uma
loja de doces caseiros, figura com salário de R$ 8.500 do partido.
O
Republicanos de São Paulo contratou por R$ 133 mil a empresa Iave Assessoria,
pertencente a um filiado à sigla.
Patriota, PL
e Podemos também têm exemplos nessa linha. O primeiro paga salários a parentes
do presidente, Adilson Barroso. O ex-presidente Ovasco Resende do PRP, que se
fundiu ao Patriota, chegou a acumular salário dos dois partidos no mês de
junho, somando cerca de R$ 60 mil de vencimentos.
O PL pagou
R$ 11 mil por mês à esposa do deputado estadual André do Prado (SP), Clarisse
Johara.
No Podemos,
o filho do deputado João Carlos Bacelar (PL-BA) ganha R$ 11 mil mensais da
legenda. Bacelar é aliado do partido no estado. Familiares de dirigentes da
sigla também estão na folha de pagamento.
O PSC tem a
mulher do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, uma mãe de deputado e
alguns pastores na folha de pagamento. Alvo da Polícia Federal, a primeira-dama
do Rio, Helena Witzel, recebeu desde janeiro de 2019 mais de R$ 350 mil brutos
do PSC, a título de salário por integrar a equipe jurídica da legenda.
Outra
prática comum nos 33 partidos brasileiros é alojar em seus quadros, com
remuneração mensal, políticos que fracassaram nas urnas ou deixaram de ocupar
algum cargo público.
O
oposicionista PSB tem na sua folha salarial os ex-governadores Márcio França
(SP) e Ricardo Coutinho (PB) e o ex-deputado federal Beto Albuquerque (RS),
todos com salários superiores a R$ 20 mil por mês.
O PDT
contratou o escritório de advocacia de seu presidenciável, Ciro Gomes. Foram R$
45 mil pagos em 2019.
Os dados
analisados pela Folha se referem às esferas nacional, estadual e municipal das
legendas e foram coletados e compilados pela ONG Transparência Partidária, com
base na prestação de contas de 2019 entregue pelas legendas ao Tribunal
Superior Eleitoral. Pela lei, elas têm até junho do ano seguinte para entregar
a prestação anual de contas.
Depois das
transferências obrigatórias para as fundações partidárias e as instâncias
estaduais e municipais, o gasto com pessoal ocupou a maior fatia, com 14%.
“O
levantamento [relativo a 2019] identificou uma série de situações que merecem
análises mais aprofundadas quanto à regularidade e à legitimidade desses
gastos, mas que ainda esbarram em algumas deficiências do ponto de vista da
transparência e do controle social”, afirma Marcelo Issa, diretor-executivo da
Transparência Partidária.
Em relatório
divulgado pela organização relativo ao uso do fundo partidário em 2017, a
entidade detectou “dezenas de casos de contratação de empresas das quais
dirigentes partidários das próprias legendas contratantes são sócios ou
proprietários”, no valor de ao menos R$ 4,5 milhões.
O relatório
apontou também que doadores receberam de volta mais do que o dobro do valor que
repassaram às legendas, por meio de contratos com empresas das quais eram
sócios ou proprietários.
Outro
lado
Em nota, o
PSL afirmou que Carolina Lompa é secretária-executiva do PSL Mulher e atua
diariamente dentro do partido. O deputado Nereu Crispim não se manifestou.
O PT afirmou
que investe recursos na comunicação “por ter acesso restrito, quando não
censurado” à mídia e que não há impedimento para a contratação da empresa de um
filiado. “Se o fosse, seria uma discriminação autoritária.”
O
Republicanos de São Paulo afirmou que a empresa contratada prestou serviços de
contabilidade, consultoria e gestão de RH, em valores dentro dos padrões de
mercado. “Já em relação ao fato da prestação de serviço estar relacionada com
um de nossos filiados, isso apenas indica que há uma confiança mútua na relação
entre as partes.”
O PDT disse
que Ciro Gomes é advogado com vasto conhecimento e vice-presidente do partido.
“Como tal, tem feito inúmeras peças jurídicas, como a que o PDT deu entrada no
Tribunal Penal Internacional, acionando a corte pela forma como Bolsonaro vem
enfrentando a pandemia, entre outras”.
O PTB
afirmou que o valor total recebido por Roberto Jefferson em 2019 “é proveniente
de suas competências como presidente nacional”, conforme definido no estatuto
da sigla.
Fonte: Folha
Press
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