A região da
Chapada dos Veadeiros sofreu severa mudança na configuração da ocupação do solo
nas últimas décadas. Enquanto áreas de florestas e de cerrado nativo reduziram,
devido ao desmatamento, o espaço ocupado por pastagens e, principalmente,
monocultura de grãos aumentou significativamente. Em 20 anos, a dimensão da
área das plantações nas cidades que compõem a região triplicou, com um aumento
exato de 305%.
Dados da
plataforma MapBiomas.org mostram que, entre 2000 e 2019, o território ocupado
por agricultura em Alto Paraíso de Goiás, São João d’Aliança, Cavalcante,
Teresina de Goiás, Nova Roma e Colinas do Sul foi de 15,7 mil hectares para
mais de 63,8 mil hectares. A mudança dessa configuração já é nítida na paisagem
vista por quem chega à Chapada, especialmente pela rodovia G0-118, no trecho
entre São João e Alto Paraíso.
A alteração
e reflexo dessa pressão no entorno de um dos parques naturais mais famosos do
Brasil, e que atrai turistas do mundo todo, é perceptível, inclusive, pela
evolução, ao longo do tempo, de imagens de satélite. A pedido do Metrópoles, o
Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da
Universidade Federal de Goiás (UFG) fez a comparação entre o antes e o depois
da região da Chapada.
O Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros, gerido e monitorado pelo Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), possui uma extensão de 240,6
mil hectares e é um dos últimos cinturões de cerrado nativo, em Goiás. O estado
liderou o desmatamento do bioma, no Brasil, até 2013, conforme dados do Prodes,
programa de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Hoje, Goiás
é o segundo colocado em incremento de desmatamento, atrás apenas do Mato
Grosso, e responsável, até então, por 15,78% da área de cerrado devastada no
país. Só em 2020, o Prodes calculou uma área desmatada de cerrado equivalente a
724,52 Km², em solo goiano.
Por ser
unidade de conservação, o parque da Chapada carrega o status de proteção. O seu
entorno, no entanto, é o que preocupa, devido à crescente pressão em direção ao
parque, com prejuízos para a biodiversidade local. Nos últimos dois anos e
meio, a plataforma Map Biomas Alerta identificou 110 situações de desmatamento
nas cidades da região, que geraram uma devastação de 5.431 hectares – média de
5,7 hectares por dia.
“Se não
existisse o parque, seria tudo soja”
A trincheira
jurídica confere certa proteção ao parque, apesar de investidas e interesses de
conhecimento público que ameaçam a integridade da área. O caso mais recente é o
projeto protocolado na Câmara dos Deputados pelo deputado federal Delegado
Waldir (PSL/GO), que visa sustar o decreto do governo Michel Temer (MDB),
assinado em 2018 e que ampliou o território do parque. O projeto dele prevê uma
redução de mais de 70% da área atual.
Morador da
região desde 2003 e atual secretário de Meio Ambiente de Cavalcante, Rodrigo
Batista Neves considera a existência do parque e as regras legais que isso
impõe como os únicos fatores que, ainda, seguram o avanço mais incisivo da
fronteira agrícola sobre o território da Chapada.
“A gente agradece muito por existir esse parque. Se não existisse, a Chapada já seria tudo soja. As zonas que foram conservadas são exatamente o parque e o Sítio Histórico Kalunga. Eles (empresários do agronegócio) falam que áreas que estão hoje dentro do parque são ideais para plantação de soja, como a região das Sete Lagoas e a Serra das Cobras”, diz Rodrigo.
O avanço da
ampliação da monocultura, na região, segundo o secretário, ocorreu fortemente
de 2005 para cá. “Em coisa de um ano, por exemplo, você via de 3 a 5 mil
hectares de cerrado sumindo”, descreve. A alteração mais sensível foi na região
entre São João d’Aliança e Alto Paraíso de Goiás. Na primeira, existem, hoje,
29 pivôs centrais em funcionamento e na segunda, apesar do avanço mais recente
da agricultura, já são 21.
Maiores
áreas de monocultura
São João
d’Aliança e Alto Paraíso possuem as maiores parcelas de terra ocupadas por
lavouras, dentre as cidades que compõem a região da Chapada dos Veadeiros. Em
20 anos, São João, cujas lavouras cultivam soja, milho e feijão, passou de 8,7
mil hectares de agricultura para mais de 42,7 mil hectares – um aumento de
392%, diante de uma perda de 15% da área de cerrado no município, no mesmo
período.
Em 2000,
Alto Paraíso, cidade portal do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e,
portanto, mais próxima da área de conservação, tinha uma parcela ocupada por
lavouras equivalente a 3,4 mil hectares. Vinte anos depois, já eram mais de 16
mil hectares, segundo maior território ocupado por agricultura entre as cidades
da região. Em percentual, esse aumento foi de 367%.
“Estou aqui
há 33 anos. As coisas mudaram, significativamente. Acho que já comeu uns 80% do
cerrado, desde quando vim morar aqui. De uns tempos para cá, desandou de vez,
mas é complicado. Todos precisam comer, produzir e a demanda agrícola é muito
grande. A gente tenta conciliar as duas coisas, com uma boa administração, mas,
ambientalmente, é um baita prejuízo. Não tem como mensurar”, afirma Geraldo
Bertelli, secretário de Meio Ambiente de São João D’Aliança.
Secretária
defende o agro e cita loteamentos como maior ameaça
Apesar dos
dados de avanço da ocupação do território na região da Chapada dos Veadeiros, a
secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás, Andréa
Vulcanis, não considera, hoje, o agronegócio como o elemento que mais ameaça o
cerrado no entorno do Parque Nacional. Para ela, o que preocupa na região são
os loteamentos e a abertura de condomínios.
Fonte: Metrópoles
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