Cavalcante é
a cidade goiana com a maior taxa de estupro de vulnerável do Estado. Observando
dados de 2017 a agosto de 2019 da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de
Goiás, período máximo que consta no site, o local tem o maior índice por mil
habitantes - 3,7 casos. Em Goiânia, a taxa é de 0,43. Observando apenas 2019,
Cavalcante também se mantém no topo.
Os números
se referem às ocorrências feitas via Registro de Atendimento Integrado (RAI),
responsável pelo registro único das forças de segurança do Estado. O crime
configura “ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14
anos”, assim como com alguém que não tenha o discernimento necessário para o
ato ou por qualquer pessoa que não possa oferecer resistência.
A Associação
Quilombo Kalunga (AQK) estima que estejam nas 23 comunidades remanescentes de
quilombos Calunga de Cavalcante cerca de 4 mil pessoas - ou seja, quase metade
da população do município, que é de 9.709 mil habitantes. Os abusos acontecem
tanto em regiões quilombolas quanto em outras áreas rurais ou urbanas. Só em
2019, foram registrados 12 casos de estupro de vulnerável no município.
A reportagem
pôde identificar casos que envolviam abuso sexual e outros que a vítima afirma
ter sido consentido, por vezes com adolescentes com idade aproximada. Houve um,
por exemplo, de uma menina de 13 anos e um rapaz de 17. De acordo com o
delegado titular da delegacia da cidade, George Aguiar Muniz, a maior parte dos
casos de estupro de vulnerável registrados acontecem dentro de casa - cometidos
por um padrasto, um pai, ou um tio, por exemplo. “As denúncias são dentro do
ambiente doméstico. Os casos daqui não fogem da realidade nacional”, disse.
Um dos
crimes registrados na cidade no ano passado envolve a filha de uma autoridade.
A menina, de apenas 12 anos, foi violentada pelo padrasto em duas ocasiões. Ela
vivia na cidade e os abusos aconteceram em casa. A adolescente acabou grávida,
mas escondeu a gestação. Depois de mais de sete meses, a família descobriu e o
caso foi denunciado. A gestação teve prosseguimento e a menina teve a criança,
que foi inclusive registrada no nome do abusador.
Só neste ano
e no ano passado, foram três casos de adolescentes que engravidaram aos 13
anos. Duas delas tiveram os filhos aos 14, e não foi registrada a paternidade.
Uma das histórias é de uma menina kalunga hoje com 14 anos. À reportagem, a
adolescente contou que ficou grávida ainda aos 13 de um rapaz que conheceu em
uma festa de uma comunidade quilombola de Cavalcante. O bebê, entretanto, não
tem paternidade registrada. Segundo ela, o rapaz mora perto de Goiânia e ainda
não teve a oportunidade de registrar a filha.
De forma
tímida, a menina conta que aquela não foi sua primeira relação sexual. “Mas da
primeira vez eu não queria”, disse, olhando para as mãos. A adolescente, então,
conta ter sido abusada pelo cunhado. Segundo ela, o fato aconteceu uma vez e
foi denunciado pela família. Conforme apurado pela reportagem, o caso está no
Judiciário. Para cuidar do bebê, parou de estudar, mas sonha em se formar e se
tornar professora de Inglês.
Só neste
ano, foram 12 inquéritos concluídos pela Polícia Civil envolvendo estupro de
vulnerável em Cavalcante. Estão sendo apuradas ainda 14 denúncias na cidade,
sendo 7 referentes a crimes cometidos em comunidades quilombolas, 5 em área
urbana e 2 em zona rural. No presídio, que fica junto com a delegacia e é administrado
pela Polícia Militar, de 24 presos em regime fechado, 8 cumprem pena por
estupro de vulnerável - um terço do total.
Um dos casos
registrados no final do ano passado foi de uma menina de 13 anos, abusada pela
pai dentro de casa. Conforme relatos da adolescente, por cerca de um ano, o pai
ia ao seu quarto, onde ela dormia com dois irmãos, e tocava em seus seios,
vagina e nádegas. Os abusos só foram descobertos quando a menina começou a se
auto mutilar e confessou ao padrinho o que vinha acontecendo. A mãe não
acreditou na menina.
“Mal disseminado”
O delegado
George Muniz, que atua na cidade desde setembro de 2016, diz perceber que os
casos de estupro de vulnerável não estão restritos às comunidades quilombolas.
“Parece um mal disseminado na cidade”, disse. De acordo com ele, alguns fatores
podem favorecer os abusos - como o fato de haver comunidades muito afastadas e
uma população pobre e em situação vulnerável. Além disso, ele diz perceber na
cidade alguns costumes antigos que existiam até pouco tempo - como enviar
filhos da zona rural para morar em casas de pessoas na zona urbana, com o
intuito de estudarem em escolas melhores.
A reportagem
entrou em contato com o prefeito de Cavalcante na última quinta-feira (12), mas
o gestor disse que falaria apenas pessoalmente. A reportagem enviou perguntas
por e-mail, mas não houve resposta. A reportagem tentou junto ao Conselho
Tutelar da cidade dados sobre número de denúncias que chegaram ao local desde
2017, mas o número não foi repassado.
Presidente
da AQK, Vilmar Souza Costa, preferiu não conceder entrevista. Em nota, a
associação disse apenas que, em relação aos casos de pedofilia, quando chegam
ao conhecimento da associação é “dada a orientação para que se procure a
autoridade policial para que sejam tomadas as devidas providências”.
“Reforçamos que não pactuamos com nenhum fato criminoso”, completou.
Os Kalunga
formam a maior comunidade de remanescentes de quilombolas do Brasil. Em Goiás,
compõe 39 núcleos em Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre, que chegam a
quase 8 mil pessoas. A comunidade foi formada inicialmente por descendentes de
escravos que fugiram do cativeiro e formaram um quilombo.
Fonte: O
Popular
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