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Região de quilombos carece de estrutura básica em Cavalcante/GO



Além de ser a cidade goiana com a maior taxa de estupro de vulnerável por mil habitantes, Cavalcante é o município de Goiás com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), ligado à Organização das Nações Unidas (ONU). O último levantamento é de 2010.

A população da cidade sofre com ausência de infraestrutura. Depois das denúncias de abuso amplamente difundidas em 2015, houve grande mobilização. Na época, um Núcleo Especializado de Atendimento à Mulher (Neam) chegou a ser criado, mas foi extinto em seguida. A cidade também não possui um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que atende casos de abuso e exploração sexual. Entretanto, o município conta um Conselho Tutelar.

Ao percorrer as ruas mais periféricas de Cavalcante, é possível observar a diferença estrutural, quando as vias não possuem asfalto, por exemplo. Na comunidade quilombola Engenho II, que é a mais próxima da zona urbana, a cerca de uma hora de distância, há uma estrutura melhor. O local, que tem grande movimentação turística, possui energia elétrica e água encanada - obras realizadas pela própria comunidade com dinheiro do turismo.

Já nas regiões do Vão de Almas e Vão do Moleque, áreas mais afastadas do centro urbano, o cenário é diferente. Para chegar ao Vão do Moleque, por exemplo, o percurso é de mais cerca de 3 horas de carro, conforme informações de moradores do Engenho II. O Vão de Almas está ainda mais distante. E essas comunidades não estão formadas como vilas, com casas lado a lado. As residências são distantes umas das outras.

Quando se fala em Educação, as regiões possuem escolas. No Engenho II, há uma escola que atende todas as fases, até o ensino médio. Conforme a Associação do Quilombo Kalunga (AQK), no Vão de Almas são três escolas, e no Vão do Moleque são oito.

Já em relação à Saúde, no Engenho II há um posto de Saúde, mas que não funciona todos os dias - apenas quando o médico vai ao local. Conforme moradores, isso acontece, no geral, uma vez por semana. Já no Vão de Almas e Vão do Moleque, a AQK informa que não há postos de saúde. De acordo com eles, a associação pretende construir no Vão de Almas uma sala ginecológica e outra de atendimento comum no local.

No Vão do Moleque, conforme AQK, existe um projeto voluntário que se chama “Kalunga Sorridente”, cujo objetivo é fazer tratamentos dentários. O projeto começou no fim do ano passado e atendimentos já ocorreram quatro vezes, na capela da comunidade. Além disso, a AQK afirma que existem ainda na região quatro comunidades, com cerca de 30 famílias, isoladas, sem sequer estrada.

O Vão de Almas e o Vão do Moleque não possuem energia elétrica em sua totalidade, assim como água nas casas. A AQK afirma que na primeira faltam 19 famílias para que o benefício chegue para todos. Já no Vão do Moleque, são 425 famílias sem energia elétrica - algo que chega a cerca de 2 mil pessoas. Nenhuma das duas regiões, que possuem várias comunidades, tem água tratada, nem mesmo cisterna. A população precisa recorrer aos rios e riachos. As casas não têm banheiro e os moradores utilizam o mato.

Conforme a associação, por meio de uma parceria com o governo federal, estão sendo construídas 140 cisternas nas comunidades quilombolas - incluindo também as de Teresina de Goiás e Monte Alegre, outras duas cidades goianas que concentram a população Kalunga. Serão priorizadas, conforme associação, as famílias que moram mais distantes dos mananciais.

A Enel Distribuição informou em nota que já atendeu 35% das solicitações por novas ligações na área Kalunga, realizando cerca de 240 conexões. A empresa afirma que neste ano instalou 99 placas solares para atender os moradores de localidades mais remotas na região. A Enel garante que fechará o ano com mais da metade dos pedidos atendidos na comunidade e que pretende zerar a demanda por novas ligações até 2020.

A Saneamento de Goiás S/A (Saneago) informou em nota que realizou um diagnóstico socioambiental de três povoados Kalunga de Cavalcante na região do Vão do Moleque, após direcionamento da própria prefeitura, tendo mapeado 259 residências. Agora a companhia diz que avalia qual a melhor solução para levar água tratada a ambas as comunidades.

SEGURANÇA PÚBLICA

O presídio da cidade funciona junto com a delegacia e é administrado pela Polícia Militar - ou seja, a recuperação de detentos em cidade com maior taxa de estupro de vulnerável não é feita pela administração prisional. Além disso, a PM da cidade, com um efetivo de 18 policiais, também cuida da segurança de Teresina.

A delegacia, por sua vez, possui um delegado e um escrivão, sendo que este atua apenas nos plantões de fim de semana. A Câmara Municipal de Cavalcante cedeu um servidor, que atua como escrivão durante a semana. O agente que trabalha no local o faz de forma voluntária, uma vez que já está aposentado.

A Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) disse apenas que há uma previsão para tomar conta da unidade de Cavalcante, sem informar datas. A Polícia Civil, por sua vez, disse que duas vezes por semana, e sempre que necessário, uma equipe de agentes se desloca de Campos Belos para atuar na cidade.

“Tem a ver com a cultura do brasileiro”

Coordenadora do Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Thaís Marinho afirma que o problema da alta taxa de estupro de vulnerável não é localizado nas comunidades quilombolas de Cavalcante. “Tem a ver com a cultura do brasileiro, uma cultura paternalista, que vê a mulher como propriedade da família, do pai. É uma questão cultural que afeta toda a população brasileira. Talvez se centralize lá por ser uma região onde o acesso à educação não tenha chegado com tanto afinco”, disse.

Questionada sobre o motivo pelo qual Cavalcante, onde cerca da metade da população é moradora de comunidades quilombolas, é a cidade goiana com maior quantidade de registros do crime, Thaís afirma que o fator que pode explicar é a própria situação de vulnerabilidade social, por ser um local com alto grau de ruralidade, sendo pequena a parte urbana. “Há pouquíssima infraestrutura, tanto de estradas, de hospital, de escola, de efetiva participação do poder público, com negligência por parte do poder público, o que impede que a população possa acessar efetivamente seus direitos”, disse.

Sobre a possibilidade de relação do alto índice de abusos com a ausência de infraestrutura e isolamento de algumas comunidades, Thaís afirma que os abusos têm muito a ver com a cultura paternalista já citada, algo que não é exclusivo de comunidades calungas. “É uma questão cultural que afeta toda a população brasileira”, disse.

Entretanto, a ausência da figura do Estado na vida cotidiana dos grupos, seja por meio de escolas, conselhos ou mesmo policiais - ou seja, uma falta de recursos -, indica de certa forma, segundo ela, um descaso.

Especialista em violência sexual contra crianças e adolescentes, o professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Rogério Araújo afirma que é necessário avaliar cada caso de abuso para conseguir compreender em sua totalidade o problema e, assim, conseguir de fato combatê-lo.

Araújo diz ainda que, conforme estudos da área de violência sexual, a exploração sexual para fins comerciais têm muita relação com a condição social da pessoa, mas em abusos dentro de casa, nem tanto. Nesse caso, é algo que atinge qualquer família, independente da classe social.

Professora de Serviço Social da Universidade Federal de Goiás (UFG) e militante em Gênero, Direito e Sexualidade, Maria Meire de Carvalho afirma que casos de violência familiar já são complicados, e que a complicação aumenta quando se trata de região rural. “E elas (meninas Kalunga) estão ainda mais vulneráveis por estarem em regiões afastadas”, disse. Para ela, esse isolamento, tanto das comunidades quanto da cidade, tem relação com o alto índice de estupro de vulnerável. “Conhecem a lei? Sabem a quem denunciar? Tem assistência por perto?”, questiona.

Fonte: O Popular

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