Por Leon
Carelli,
Memoráveis
anos 90. No dia 23 de junho de 1998, há 17 anos, se despedia do mundo o cantor
Luiz José da Costa, mais conhecido como Leandro, da dupla sertaneja Leandro
& Leonardo, responsável por hits inesquecíveis e arrebatadores da música
sertaneja de sua geração.
Alguns dias
antes dessa data, quando eu tinha pouco mais do que cinco anos, estava me
entretendo com o vento amarelado das plantações de soja batendo com força no
meu rosto, durante uma viagem para a fazenda dos meus avós, no interior de
Goiás.
Havia uma
revista no banco de trás. Meus primos a folheavam, da maneira que se folheia
uma revista quando se é criança. Eu estava distraído, mas durante as duas horas
de viagem reparei que a página que mais recebia a atenção e os comentários de
todas as pessoas do carro era uma que tinha a foto do Leandro. Ele estava
careca. Todo mundo achou estranho. “Continua a luta do cantor Leandro contra o
câncer”, era o que provavelmente dizia a revista.
Nessa época
as crianças se perguntavam e perguntavam seus pais o porquê das pessoas doentes
rasparem a cabeça. “Mãe, por que o Leandro está careca?” Minha mãe disse que o
Leandro tinha uma doença chamada câncer, cuja mera pronúncia causava
“avemarias” e “misericórdias” das tias. Ela disse também que ele estava assim
porque ele plantava tomates quando pequeno, e que de tanto respirar veneno para
insetos ele tinha ficado doente.
Todo mundo
no carro queria que ele se curasse logo. Eu não cheguei a acreditar que ele
morreria de verdade. Descartei a possibilidade. Ficava pensando no tanto que o
Leonardo ia ficar triste. “Se ele morrer, não vai mais existir Leandro &
Leonardo.” Isso não fazia o menor sentido. Era uma época em que o sertanejo
tinha uma composição mais suave, que conquistava gente de qualquer idade. Era
cheio de arranjos orquestrais e histórias realistas, que fugiam à pompa dos
compositores da MPB, mas trazia reflexões poéticas de coisas práticas da vida.
Morte
Quando ele
morreu, dias depois do episódio da viagem, demorou pra cair a ficha. Que eu me
lembre, foi uma das primeiras vezes que eu parei pra pensar mais fundo sobre
morte. Eu pensava que era impossível alguém tão rico e famoso morrer assim. Os
médicos iriam tentar ressuscitá-lo um pouco mais, já que era tão importante. Eu
ficava pensando em como Deus teria coragem de levar um cara tão famoso e que
tanta gente gostava.
Fiquei com
medo de ter câncer, fiquei com medo de alguém da minha família ter câncer,
fiquei com medo do meu irmão morrer e fiquei com medo de comer tomate. A
televisão mostrou o velório do Leandro. O Leonardo chorava sem parar em cima do
caixão dele. Apareceu um monte de gente famosa no velório. Eu mesmo só fui
entender o que significava essa história de velório depois que o Leandro
morreu. Nos meus poucos anos de vida ainda não havia sido exposto a tal evento.
Todo mundo
que eu conhecia estava triste. Até meu pai, que quase nunca ficava triste, e
minha avó, que só escutava as músicas da igreja. Parecia que tinha uma nuvem de
tristeza envolvendo Goiânia. A cidade tinha perdido uma espécie de herói. Eu li
na wikipédia que foram mais de 150 mil pessoas no cortejo dele. Tocava Leandro
& Leonardo nas rádios o dia inteiro, e era quase impossível esquecer que o
Leandro tinha morrido. Não era difícil encontrar alguém introspectivo, olhando
pro nada, pensando na vida.
Hoje o
Leandro tem uma memória áurea, heroica, meio santificada. Acho que também é por
causa do jeito que ele morreu. Todo mundo acompanhava o sofrimento dele, que
durou pouco mais de dois meses. Ele descobriu a doença em abril. Tem a história
da infância pobre também. Ele era meio caladão, parecia ser um cara bem
simples, matuto. E tinha uns olhos muito bonitos, que chamavam a atenção.
Parece que é
isso mesmo que vem na cabeça das pessoas quando alguém revive a memória do
Leandro, principalmente pro pessoal mais velho. Esses dias eu senti uma emoção
estranha e boa quando assisti a um vídeo dele no youtube, em que ele cantava
sozinho a música Catedral. Com o passar do tempo, o sertanejo dos anos 1990 vem
conquistando com o envelhecimento o status de nostalgia, e perdendo aos poucos
a imagem de brega indigerível, que fãs radicais de outros gêneros musicais
apontam.
VOLUME 4
O Volume 4
dos garotos de Goianápolis, lançado em 1990, ocupa até hoje o pódium dos discos
mais vendidos de todos os tempos na música brasileira. O sucesso estrondoso da
canção Pense em mim ajudou no embalo das vendas, que ultrapassaram a casa dos
três milhões e 100 mil cópias. Esses números colocam esse disco atrás apenas de
Xou da Xuxa 3 (1988) e Músicas para louvar ao Senhor (Padre Marcelo Rossi,
1998).
O disco por
inteiro é considerado um clássico por fãs do gênero. Além de Pense em Mim,
outros sucessos consagrados no LP foram Desculpe, mas eu vou chorar, Cadê você
(versão de Odair José) e Talismã. Difícil é não saber cantarolar – nem que seja
o refrão – de uma dessas canções. Todas essas canções ultrapassam em 2015 a
barreira temporal vinte e cinco anos.
Fonte: DM
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